Por Fábio Silveira
Um novo setembro chegou, e longe estávamos todos nós de imaginar o que trazia consigo.
Com a aproximação do final do quinto e penúltimo ano do Curso Filosófico-teológico do Seminário de Angra, alguns eram já os sonhos para aquele que era o último ano formativo – o ano pastoral, sonhos naturais de quem fez o percurso nesta casa de formação espiritual, humana e académica, e se vê de olhos postos no futuro, e no projeto que sonhou e trabalhou para a sua vida.
Apesar da conjuntura do Seminário Episcopal de Angra, dada a redução de vocações sacerdotais, e com os ajustes que vinham a ser feitos ao longo dos últimos tempos, não se imaginava tão rápido desfecho.
Após a decisão de encerrar, em parte, o Seminário, dada a sua insustentabilidade, aos alunos do último ano, foi dado a escolher entre a ida para o Seminário e Universidade Católica do Porto, ou continuar a formação do Ano Pastoral em Angra, sabendo o peso de estar nesta instituição com uma comunidade tão reduzida.
E, porque uma proposta requer uma opção e resposta rezada e pensada, dos dois alunos finalistas do nosso Seminário, um optou por continuar a sua formação na `cidade invicta´, e eu optei por concluir os meus estudos no nosso Seminário e na nossa Diocese, consciente do peso de estar sozinho como único aluno residente na Diocese, no Seminário, na “Comunidade”.
Tranquilizou-me sobretudo, o conforto de D. Armando, que com o seu senso de pai e pastor garantiu que nenhum apoio me iria faltar se optasse por concluir a minha formação nos Açores.
Esta foi uma opção consciente, muito pensada e sobretudo rezada, analisando a minha caminhada vocacional que hoje vejo não ter começado há sete anos atrás mas há 35, e que está longe de terminar. As vocações são fruto das necessidades e oração das comunidades, e alimento-me deste sentido de pertença e oração das comunidades, berços de vocações, para continuar a minha caminhada, e assim entendi que era aqui, na nossa Diocese que o devia fazer, em momentos tão débeis que esta atravessa, desde a escassez de vocações ao abandono do sacerdócio, a escândalos e outros. Se o Senhor da messe chamou os meus colegas ao Porto a continuar a sua caminhada, sinto que nesta fase, o Senhor me chamou e precisa de mim aqui, na nossa diocese.
A proposta feita para este Ano Pastoral atípico com início em setembro de 2024, foi de o realizar no terreno, residindo numa paróquia, e articulando os serviços pastorais da paróquia com os estudos.
Este “adiantamento do estágio”, assim o designou D. Armando, é algo que há alguns anos se pretendia, no sentido de colocar os alunos finalistas no terreno, para os preparar melhor para o futuro prático das paróquias, o que entre livros e paredes não se aprende.
A 15 de setembro do corrente ano, iniciei então o meu Ano Pastoral com residência na paróquia de São Sebastião na ilha Terceira. Partilhando residência e serviços pastorais com o pároco, o padre Luís Silva, articulo não só os serviços desta paróquia, mas da paróquia vizinha de Santa Bárbara da Fonte do Bastardo, de onde também o padre Luís Silva é pároco. Falamos não só de serviços redobrados em duas paróquias diferentes na sua forma de ser e agir, mas também de duas paróquias que se dividem em duas ouvidorias, respetivamente Angra e Praia, com serviços e dinâmicas próprias de cada uma delas.
É uma missão aliciante estar no meio do povo, e entre duas comunidades que de tão diferentes são tão ricas e têm tanto a dar, e a mim em específico como seu aprendiz. Uma mostra como ainda as raízes e as tradições estão nos valores da comunidade, com o zelo pela Sagrada Eucaristia e não só; outra mostra a jovialidade de uma comunidade, ativa, com olhos no futuro, mas que também com os sinais dos tempos antecipam algum futuro de participação consciente, embora reduzida.
A própria convivência, que se quer fraterna, residindo com outra pessoa, tem muito a ensinar. A partilha feita diariamente com o padre Luís quer nos momentos de oração conjunta, quer nas refeições ou nos serviços pastorais e até mesmo momentos de lazer, são elucidativos da vida de um ministro ordenado que tem de estar preparado ora para a solidão, ora para o frequente recurso das pessoas ao seu pastor.
Demos graças a Deus por, no meio da tribulação, ainda haver gente zelosa pelos seus párocos, que lhes queira bem e que os respeite e procure. Esta convivência e partilha mútua de experiências mostra-nos o que de belo há no sacerdócio, e o que de menos risonho tem, mas também para isto é necessário preparar, e mais uma vez: entre livros e paredes não aprendemos.
E, porque este ano não é só “paróquia”, há que articular esta realidade com a realidade académica e concluir a formação do Curso Filosófico-teológico. Quatro manhãs por semana, rumo à “Casa Santa mimosa de Deus” onde tenho algumas aulas das cadeiras do 6º ano do sexénio. É triste? É! Depois de entrar há sete anos atrás numa casa com vinte e quatro alunos, partilhar sala numa turma de cinco alunos, e olhar ao redor e ver que resto eu a andar nos corredores, a ir ao refeitório, a ir à sala de “convívio”, a passear no “pátio das aulas”, a sentar-me de frente do professor… quão mais feliz não seria termos uma casa cheia de rapazes e rir juntos, a chorar juntos, a estudar juntos. Mas nem por isso deixa de ser desafiante e motivante. Encontro forças e motivação na minha vocação, nas pessoas que confiam na minha vocação e rezam por ela, e isso recorda-me diariamente que valho a pena, e que a nossa Casa continua a formar os bons e santos sacerdotes que as nossas comunidades rezam e precisam.
A par de tudo isto, das diversas dinâmicas paroquiais, interparoquias e até da pastoral de ilha com diversos movimentos e paróquias, um dia por semana dedico-me à pastoral sócio-caritativa através do serviço de voluntariado da Cáritas, uma experiência enriquecedora que permite não só o contacto técnico que está por detrás das estruturas de apoio aos mais pobres, mas também o contacto direto com esta realidade tão delicada que é a pobreza. A experiência tem tanto de enriquecedor como de desafiante e gratificante. Abre-nos ao desprendimento, e coloca-nos lado a lado com aqueles que não têm o que comer e vestir. O serviço sócio-caritativo exercido neste cariz coloca-nos lado a lado com o próprio Jesus, o Jesus que está em quem ajuda e em quem é ajudado.
É o Evangelho que se torna palpável na nossa vida e na vida de tantos que procuram o rosto de Jesus das mais diversas formas, mesmo fora da Igreja, e lembra-me cada dia que as portas da igreja, que outrora serviram para entrar, hoje continuam abertas, mas para sair e ir ao encontro da verdadeira igreja que está na rua. Assemelha-nos ao próprio Jesus que fez Igreja onde as pessoas estavam, foi ao encontro das pessoas, sobretudo das mais débeis.
Esta dinâmica que se gera entre Paróquias, Seminário, Cáritas, Pastoral de Ilha, exige uma rotina que me torna mais próximo da vida da sociedade. O facto de acordar todas as manhãs e fazer-me ao caminho seja para o serviço, seja para os estudos, faz-me rezar até mesmo neste caminho. Quantas manhãs, no trânsito não dei por mim a pensar e a rezar a vida de tantas pessoas que acordam a cada manhã para ganhar o pão de cada dia, e que se deparam com as provações da sociedade.
Quão rico sairei depois desta experiência, feliz por vivê-la, e lembrar-me que na vida de sacerdote é bom acordar todas as manhãs e no conforto do lar rezar por toda a Igreja e pelas comunidades; mas que acordar, sair de casa quando as pessoas saem e se põem a caminho dos seus trabalhos enfrentando o frio de cada manhã, a família, o trânsito, os colegas, a sociedade – é tão belo e é uma verdadeira oração!