No princípio do século I, Belém era uma pequena aldeia formada por um pequeno conjunto de casas disseminadas pela encosta de uma colina. Deveriam existir uns bons campos de trigo e de cevada na extensa planície ao sopé da colina: talvez se deva a essas culturas o nome do lugar: Bet-Léhem, que, em hebraico, significa “a casa do pão”. Aqui “casa” e “pão” não são apenas matéria, mas alimento, sobrevivência e aconchego para a alma que lhes dá vida: a própria família.
Na verdade, a dureza do trabalho e das dificuldades podem ser esquecidas e amenizadas pelo calor familiar, qual “candelabro sobre o qual a vida arde em chamas separadas”, no dizer de Jorge Luís Borges. As pedras e as madeiras, os seus cheiros, bolores e luzes esbatidas nas paredes, talhadas pelo tempo, contam narrativas de risos de quando crescemos e brincamos na inocência do seio aconchegado dos pais. As casas falam de amor, riem connosco e choram os momentos dolorosos que nos desabrocharam para a idade adulta, forçada pelos anos que correram.
São essas as pedras vivas de uma construção, sonhada pelo Eterno, como no início, “à sua imagem e semelhança”. Com o passar dos anos aprendemos a ver Deus pelas suas costas, porque a história vai revelando os passos do seu trilhar, levantando o véu da verdade e da conquista do esforço de quem sobe os degraus da existência.
O amor torna-se fecundo, símbolo da realidade íntima de Deus, que na sua identidade é família, mas que a transcende, a precede e a excede. O seu valor está na capacidade de gerar, de ser fecundo. É na família que acontece a história da salvação. Na verdade, a missão do Bom Pastor é fazer “regressar a casa” as ovelhas perdidas. A reunião dos filhos dispersos dá-lhe força, calor e a razão de existir. Nada mais triste do que uma casa vazia, na solidão da velhice e do esquecimento. Nada mais sofredor onde não existe um mínimo de condições dignas para se ser pessoa, como aquela família de refugiados que viveram o Natal numa tenda, debaixo de uma ponte, aquecidos por uns madeiros.
Infelizmente, não é uma história original. Ainda no seio de sua mãe, Jesus foi “morador de rua”. Maria – antes de encontrar um estábulo para dar à luz – deve ter perambulado e dormido, com o seu esposo, nas ruas de Belém. Jesus nasceu como “sem-teto”. A Boa Nova do seu nascimento foi anunciada aos pastores, excluídos de todos os direitos da cidade e das instâncias judiciais. Jesus – ainda criança – foi “migrante e refugiado” no Egito. No anonimato de Nazaré, foi trabalhador…. A sua vida é eloquente, maravilhosa e duramente. Assim se fez homem, para ensinar que ninguém é excluído.
Belém é casa do pão, e o Natal o momento em que Deus se fez carne, se tornou pão, e se faz na Eucaristia. Por isso, a família revive a sua identidade quando celebra a sua fé, preferencialmente com outras famílias, numa comunidade alargada. Quando esta perde o seu calor familiar empobrece-se em “igrejas vazias”. Atacar os valores da família e da vida, despenalizando o aborto, a eutanásia ou o suicídio assistido, é excluir os últimos, os mais frágeis, os sem capacidades suficientes, é ter pão sem casas e casas sem pão. Natais sem calor, sem lar, sem amor, sem Deus… É humano ter fome, ter sede, ter sono; é humano ter medo, choro, tristeza; é finalmente próprio do homem morrer e ser sepultado; mas é próprio de Deus andar sobre o mar, mudar água em vinho e pão em carne, ressuscitar os mortos, estremecer o mundo com a própria morte, e, com a carne rediviva, elevar-se acima de todos os céus.
A casa do pão é Belém, mas também cada família, cada Eucaristia, onde Ele nasce novamente, porque, apesar das fragilidades, Ele não desiste. E as pedras continuam a contar histórias…. de amor!
P. Helder Miranda Alexandre