A máquina

Artérias, veias, ventrículos e aurículos, sangue e muita pulsação. Assim é composto um coração humano, mas para além disso, também o compõe os sentimentos, o que nos puxa para remar na vida, dando força a este corpo montado tal como uma máquina de várias peças.

Amor, amor, amor e amor, amor e muito amor.
A nossa máquina vital, que bombeia a vida pelo corpo, também nos bombeia o sentimento de dar a vida e de se entregar pelo que nos faz felizes, seja uma pessoa, uma filosofia, um projeto ou uma ambição. «Onde estiver o teu tesouro, aí está o teu coração», e para aí canalizas todo o teu empenho, todo o teu amor e as tuas forças vitais. No ciclo vital do Homem, este pequeno órgão bate milhões de vezes, mas é naquelas em que bate mais forte ou mais depressa, que nos sentimos atraídos ou afeiçoados a algo ou alguém. Isso será, de certeza, o nosso tesouro, a nossa pérola que guardamos para que ninguém nos a arrebate.

Obviamente que nem tudo se resume, nem se justifica por batimentos, suores e pulsações mais fortes, mas a medicina e a ciência dizem-nos, que nas horas mais difíceis, o partilhar emoções e sentimentos, cura e ameniza certos sintomas ou efeitos nefastos e doentios. Por isso valorizamos o contacto, o abraço, ou apenas a presença, um olhar cruzado, tudo isto são formas de transmitir afeto e emoção aos outros. Evitemos agora o lado negativo desses sentimentos não serem aceites ou acolhidos, ou pior ainda mal interpretados. Nem que seja para acalmar uma consciência inquieta, faça-se o essencial, pois aprendemos com a vida e com as nossas experiências a quem dar um amor que é acolhido e recebido reciprocamente.
Fugindo daquilo que parece um romance literário, gostava de concretizar tudo isto numa pessoa, num ideal e num projeto: Jesus! Jesus! Jesus!

Olhando para os gestos do Filho do Homem, um ser todo ele pleno de amor e de sentimentos, vemos uma total doação e entrega, consequência desse Amor desmedido que Nele habita, e que o leva a procurar cada homem e cada mulher que sofre e que precisa da sua presença, do seu consolo, da sua cura. Um Jesus, que como nos diz São João, veio para os seus, aqueles que não O receberam. Mesmo assim, nada o impediu, e Jesus é esse exemplo de como amar sempre e sem medida, independentemente de aceitarem ou não, evitando qualquer fuga à consciência, mas porque não se pode ficar sossegado quando o nosso tesouro padece ou precisa de ajuda. O tesouro de Jesus eram os pobres, os órfãos, as viúvas, os abandonados e que padeciam algum mal no corpo ou na alma. Nestes, Ele depositava todo o seu amor, cumprindo assim o seu projeto de salvar a todos, de que nenhum estivesse longe da sua vida e da sua salvação.

A máquina de Jesus, o seu coração magnânimo e pleno de amor e de vida, impelia-O nesta sua missão e projeto de chegar a todos os que careciam de remédio. Mas, a que nos movem as nossas máquinas, a maior parte perfeitas na biologia, infelizmente muitas delas carentes nas emoções. Sabemos que a associação das emoções ao coração não é fisiologicamente correta, mas, não é verdade, que já sentimos tantos apertos no peito e as tais pulsações mais aceleradas tantas vezes? Não nos fez Deus à sua imagem e semelhança, extrapolando tudo o que a ciência consegue dizer, com um coração capaz de sentir como o Dele? Esta será talvez, mais uma dúvida para nos perguntarmos porque Deus nos fez assim … ou questionarmos os seus planos inacessíveis e insondáveis.

Aquilo que Jesus quer é que as nossas máquinas estejam bem oleadas e preenchidas com o amor que temos para dar a todos, porque Dele mesmo o recebemos, e assim como Ele tem nos que sofrem e padecem o seu tesouro, ponhamos também neles o nosso. «Fazei o nosso coração semelhante ao vosso». Infelizmente algo semelhante nunca pode ser plenamente igual, porque somos humanos, criaturas e seres finitos que falham. Numa linguagem mais atual diríamos que as nossas máquinas têm “bugs”, falhas de fabrico, que nos impedem de ser perfeitos. Todavia, isso não nos deve desanimar, nem colocar na inércia, numa consciência adormecida pela impossibilidade da perfeição ou pelo confronto com as falhas mais difíceis e profundas. «O teu coração é maior que todas as tuas feridas». Assim até posso dizer que o teu Amor é mais forte do que todas as provações e confrontos, rejeições ou traições que se possa sofrer.

Não se entenda nas minhas palavras que o amor tudo justifica, mas sim, como diz São Paulo, «tudo crê, tudo espera, tudo suporta». Ainda que tudo fique no esquecimento, «o Amor não acaba», por mais dores e privações que Ele nos possa causar, ou que Ele nos leve, o caminho de Deus leva-nos ao nosso tesouro. A nossa máquina bate sempre mais forte e mais rápido pelo nosso tesouro.

Rui Soares
Seminarista estagiário

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