A “fé” segundo Ratzinger e a aldeia da esperança

por Afonso Silveira

O que é a fé?

Várias obras de Ratzinger (e também o magistério de Bento XVI) destacam que a fé não se reduz a uma ideia nem uma doutrina (mas não a exclui), mas a própria vida. Este aspeto recorrente na sua obra adquiriu uma definição lapidar no §1 da encíclica Deus Caritas est – a fé como encontro com Cristo.  Muitos têm tomado esta tese para restaurar excessos existencialistas e sentimentalistas de viés blondeliano e sabor relativista. Porém, a vida de Ratzinger é a chave interpretativa da sua afirmação. É conhecida de todos a sua preocupação com o relativismo e a ênfase que deu ao aspeto especulativo da fé e à integridade doutrinal. A afirmação de Ratzinger é sólida, não é um cacoete verbal.

A fé é sim um encontro, não como “misticismo vago” (que ele denuncia na missa pro elegendo pontificede 2005), é uma experiência pessoal e realíssima encontro com Cristo ressuscitado na Igreja. Esta experiência, solidamente entendida, é tão positivista como o ousado toque de Tomé nas chagas de Cristo. É de uma tal evidência, imune a qualquer relativismo, que brada vigorosamente a certeza de que Cristo está vivo. Com efeito, se algo me mantém apegado à barca de Pedro não é um manual de apologética, mas a experiência catártica da comunhão eclesial e que sustenta uma convicção pascal – “Afinal isso que dizem é mesmo verdade! Jesus vive! Isto é real e não pode não o ser.”

Encontro com Cristo

No meu percurso, falo de quê? Recordo experiências fortes da adolescência como o festival zarpar, as peregrinações diocesanas de acólitos, as vigílias noturnas de juventude em clima intimista onde crescia um relacionamento tão pessoal com Jesus, as sucessivas edições do dia mundial da juventude, entre muitos outros momentos fortes. Durante quase uma década senti-me privado destes oásis de fé: Muitos destes eventos deixaram de se realizar, ou perderam algo da sua pujança, ou eu mesmo deixei de ser recetor para colaborar na organização de algumas destas coisas (acontece amiúde aos seminas). Mas a aldeia da esperança fez-me reviver a experiência do amor primeiro, a paixão por Jesus que marcou a minha adolescência – o Deus que é a alegria da minha juventude (Cf. Sl 42). Não são os eventos enquanto tais, mas a vibrante multidão dos jovens, os momentos de oração, de partilha da fé, de alegria, mas também os gracejos, a recreação, as músicas e a dança. Memorável foi ainda a execução profunda e orante de “Tu és a estrela pelo jovem David Correia durante a vigília: foi enternecedor olhar Jesus num tal enquadramento.

Este tipo de experiência tem sempre um elemento de subjetividade que deve ser devidamente orientado para uma sólida instrução e constância na vida eclesial, caso contrário, tal experiência morrerá como puro sentimento, e nunca se consumará com verdadeiro encontro, nunca se fará vida, nunca se tornará realmente fé – como a entendia Ratzinger.

O que está por vir…

A aldeia da esperança, que teve lugar em São Jorge é mesmo de esperança. A juventude não para de surpreender. É capaz de interrogações profundas, demonstrações generosas de fé mesmo entre anseios e certezas, dúvidas e acertos. Deus está a levantar uma geração promissora. O Reverendíssimo Vigário para o Clero, Padre Júlio Rocha, bem que nos alerta para um movimento que nos quer adormecer e alienar, tirar os sonhos e as inquietações distraindo-nos com ecrãs para silenciar o desassombro profético que caracteriza os jovens.

A aldeia da esperança foi lugar propício para esse encontro fontal com Cristo. Recordei e revivi aquele momento inicial da minha opção por Cristo: Jesus não está morto, está realmente vivo e ressuscitado. Ele vive na sua Igreja e isto não pode não ser verdade porque eu mesmo O toquei! Por isso sou cristão; por isso sou católico; por isso sei que a santidade existe e quero ser santo, e o céu é a minha meta.

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