em comunhão com Deus e à procura de Cristo
45. A própria formação humana, se desenvolvida no contexto de uma antropologia que respeite a totalidade da verdade sobre o homem, abre-se e completa-se na formação espiritual. Cada homem, criado por Deus e redimido pelo sangue de Cristo, é chamado a ser regenerado “pela água e pelo Espírito” (cf. Jo 3, 5) e a tornar-se “filho no Filho”. Está neste desígnio eficaz de Deus, o fundamento da dimensão constitutivamente religiosa do ser humano, aliás intuída e reconhecida pela simples razão: o homem está aberto ao transcendente, ao absoluto; possui um coração que vive inquieto enquanto não repousa no Senhor.
É desta fundamental e indispensável exigência religiosa que parte e se desenrola o processo educativo de uma vida espiritual, entendida como relação e comunicação com Deus. Segundo a revelação e a experiência cristã, a formação espiritual possui a inconfundível originalidade que provém da “novidade” evangélica. Efectivamente “essa formação é obra do Espírito e compromete a pessoa na sua totalidade; introduz na comunhão profunda com Jesus Cristo, Bom Pastor; conduz a uma submissão de toda a vida ao Espírito numa atitude filial para com o Pai, e numa ligação fiel à Igreja. A formação espiritual radica na experiência da cruz para poder introduzir, em profunda comunhão, na totalidade do mistério pascal”.
Como se pode ver, trata-se de uma formação espiritual que é comum a todos os fiéis, mas que exige ser estruturada segundo aqueles significados e conotações que derivam da identidade do presbítero e do seu ministério. E como para cada fiel, a formação espiritual se deve considerar central e unificante relativamente ao ser e ao viver do cristão, ou seja, da nova criatura em Cristo que caminha segundo o Espírito, assim, para cada sacerdote, a formação espiritual constitui o coração que unifica e vivifica o seu “ser padre” e o seu “agir de padre”. Neste contexto, os Padres do Sínodo afirmam que “sem a formação espiritual, a formação pastoral desenrolar-se-ia privada de qualquer fundamento” e que a formação espiritual constitui “como que o elemento de maior importância na formação sacerdotal”.
O conteúdo essencial da formação espiritual num preciso itinerário para o sacerdócio, é claramente expresso pelo decreto conciliar Optatam totius: “A formação espiritual (…) seja ministrada de tal modo que os alunos aprendam a viver em íntima comunhão e familiaridade com o Pai por meio do seu Filho Jesus Cristo no Espírito Santo. Destinados a configurar-se a Cristo Sacerdote por meio da ordenação, habituem-se também a viver intimamente unidos a Ele, como amigos, em toda a sua vida. Vivam o mistério pascal de Cristo, de modo a saberem um dia iniciar nele o povo que lhes será confiado. Sejam ensinados a procurar Cristo por meio da fiel meditação da Palavra de Deus; pela participação activa nos mistérios sacrossantos da Igreja, sobretudo na Eucaristia, e na Liturgia das Horas; por meio do Bispo que os envia e dos homens a quem são enviados, especialmente os pobres, simples, doentes, pecadores e descrentes. Com confiança filial, amem e venerem a Santíssima Virgem Maria que foi entregue por Jesus moribundo na cruz, como Mãe, ao seu discípulo”.
46. O texto conciliar merece uma cuidada meditação, da qual se podem facilmente extrair alguns valores fundamentais e exigências do caminho espiritual do candidato ao sacerdócio.
Impõe-se, antes de mais nada, o valor e a exigência de “viver intimamente unidos” a Jesus Cristo. A união ao Senhor Jesus, que se fundamenta no Baptismo e se alimenta com a Eucaristia, exige exprimir-se na vida de cada dia, renovando-a radicalmente. A íntima comunhão com a Santíssima Trindade, ou seja, a vida nova da graça que nos torna filhos de Deus, constitui a “novidade” do crente: uma novidade que envolve o ser e o operar. Constitui o “mistério” da existência cristã que está sob o influxo do Espírito: deve constituir, por conseguinte, o “ethos” da vida do cristão. Jesus ensinou-nos este maravilhoso conteúdo da vida cristã, que é ao mesmo tempo o coração da vida espiritual, com a alegoria da videira e dos sarmentos: “Eu sou a verdadeira videira e o meu Pai é o agricultor (…) permanecei em mim e eu em vós. Como o ramo não pode dar fruto se não estiver unido à videira, assim também vós se não permanecerdes em mim. Eu sou a videira e vós os ramos. Quem permanece em mim e eu nele, esse dá muito fruto, porque sem mim nada podereis fazer” (Jo 15, 1.4-5).
Na cultura actual, não faltam, é certo, valores espirituais e religiosos, e o homem, apesar de toda a aparência em contrário, permanece incansavelmente um faminto e sedento de Deus. Porém, muitas vezes a religião cristã arrisca-se a ser considerada uma religião entre muitas outras, senão mesmo a ser reduzida a uma pura ética social ao serviço do homem. Assim nem sempre emerge a sua desconcertante “novidade” na história: ela é “mistério”, é o evento do Filho de Deus, que se faz homem, e dá a quantos o acolhem “o poder de se tornarem filhos de Deus” (Jo 1, 12), é o anúncio, mais, é o dom da aliança pessoal de amor e de vida de Deus com o homem. Só se os futuros sacerdotes, por meio de uma adequada formação espiritual, tiverem de facto uma consciência profunda e experiência crescente deste “mistério”, poderão comunicar aos outros tão surpreendente e beatificante anúncio (cf. 1 Jo 1,1-4).
O texto conciliar, ainda que consciente da absoluta transcendência do mistério cristão, conota a íntima comunhão dos futuros sacerdotes com Jesus, com o matiz da amizade. Esta não é uma absurda presunção do homem. É simplesmente o dom inestimável de Cristo, que disse aos seus apóstolos: “Já não vos chamo servos porque o servo não sabe o que faz o seu senhor; chamo-vos amigos porque tudo o que ouvi de meu Pai vo-lo dei a conhecer” (Jo 15,15).
O trecho referido indicando um segundo grande valor espiritual: a procura de Jesus. “Ensinem-se a procurar Cristo”. E este, juntamente com o quaerere Deum, um tema clássico da espiritualidade cristã, que encontra uma aplicação específica no âmbito da vocação dos apóstolos. João, ao narrar o seguimento de Jesus dos dois primeiros discípulos, põe em claro o lugar ocupado por esta “procura”. É o próprio Jesus que põe a pergunta: “Que procurais?” E os dois respondem: “Mestre, onde moras?”. Prossegue o evangelista: “Disse-lhes: ‘vinde ver’. Foram e viram onde habitava e naquele dia ficaram com ele” (Jo 1, 37-39). Em certo sentido, a vida espiritual de quem se prepara para o sacerdócio é dominada por esta procura: por esta e pelo “encontrar” o Mestre, para o seguir e permanecer em comunhão com Ele. Também no ministério e na vida sacerdotal, esta procura deverá continuar, tão inesgotável é o mistério da imitação e da participação na vida de Cristo. Assim como deverá continuar este “encontrar” o Mestre, para transmiti-lo aos outros, melhor ainda, para despertar nos outros o desejo de procurar o Mestre. Mas isto só é verdadeiramente possível se for proposta aos outros uma “experiência” de vida, uma experiência que mereça ser partilhada. Foi este o caminho seguido por André para conduzir o irmão, Simão, a Jesus: André, escreve o evangelista João, “encontrou em primeiro lugar Simão, seu irmão, e disse-lhe: encontrámos o Messias (que significa Cristo) e conduziu-o a Jesus” (Jo 1, 41-42). E assim também Simão será chamado como apóstolo, para o seguimento do Messias: “Jesus, fixando nele o olhar, disse: ‘Tu és Simão filho de João; chamar-te-ás Cefas (que quer dizer Pedro)'” (Jo 1,42).
Mas que significa na vida espiritual procurar Cristo? E onde encontrá-Lo? “Mestre, onde moras?”. O decreto conciliar Optatam totius indica um tríplice caminho a percorrer: a fiel meditação da Palavra de Deus, a activa participação nos mistérios sacrossantos da Igreja, o serviço da caridade aos simples. São três grandes valores e exigências que definem ulteriormente o conteúdo da formação espiritual do candidato ao sacerdócio.
47. Elemento essencial da formação espiritual é a leitura meditada e orante da Palavra de Deus (lectio divina), é a escuta humilde e cheia de amor d’Aquele que fala. É, de facto, à luz e pela força da Palavra de Deus, que pode ser descoberta, compreendida, amada e seguida a própria vocação e levada a cabo a própria missão, a ponto de que a inteira existência encontra o seu significado unitário e radical no ser ponto de chegada da Palavra de Deus que chama o homem e o ponto de partida da palavra do homem que responde a Deus. A familiaridade com a Palavra de Deus facilitará o itinerário de conversão não apenas no sentido de se separar do mal para aderir ao bem, mas também no sentido de se alimentar no coração os pensamentos de Deus, de modo que a fé, qual resposta à Palavra, se torne o novo critério de juízo e avaliação dos homens e das coisas, dos acontecimentos e dos problemas.
Contanto que a Palavra de Deus seja abordada e acolhida na sua verdadeira natureza, ela leva a encontrar o próprio Deus, Deus que fala ao homem; leva a encontrar Cristo, Verbo de Deus, a Verdade que ao mesmo tempo é Caminho e Vida (cf. Jo 14, 6). Trata-se de ler as “escrituras” escutando as “palavras”, a “Palavra” de Deus, como nos recorda o Concílio: “As Sagradas Escrituras contêm a Palavra de Deus, e, porque inspiradas, são verdadeiramente Palavra de Deus” (138).E ainda noutro passo: “Com esta revelação, de facto, Deus invisível (cf. Col 1, 15; 1 Tim 1, 7), no seu imenso amor fala aos homens como a amigos (cf. Ex 33, 11; Jo 15, 14-15) e convive com eles (cf. Bar 3, 38), para os convidar e admitir à comunhão com Ele”.
O conhecimento amoroso e a familiaridade orante com a Palavra de Deus revestem um significado específico no ministério profético do sacerdote, para cujo adequado desenvolvimento se tornam uma condição imprescindível, sobretudo no contexto da “nova evangelização”, à qual a Igreja é hoje chamada. O Concílio adverte: “é necessário que todos os clérigos, e sobretudo os sacerdotes de Cristo e outros que, como os diáconos e os catequistas, servem legitimamente ao ministério da Palavra, mantenham um contacto íntimo com as Escrituras mediante a leitura assídua e o estudo diligente, a fim de que nenhum deles se torne ‘pregador vão e superficial da Palavra de Deus, por não a ouvir de dentro’ (Santo Agostinho, Sermão 179, 1: PL 38, 966)”.
A primeira e fundamental forma de resposta à Palavra é a oração, que representa, sem qualquer sombra de dúvida, um valor e uma exigência primária na formação espiritual. Esta deve levar os candidatos ao sacerdócio a conhecerem e experimentarem o sentido autêntico da oração cristã, isto é, o de ser um encontro vivo e pessoal com o Pai pelo Filho unigénito e sob a acção do Espírito Santo, um diálogo que se faz participação do colóquio filial que Jesus tem com o Pai. Um aspecto não por certo secundário da missão do padre é o de ser “educador para a oração”. Mas só se ele foi formado e continua a formar-se na escola de Jesus orante, é que poderá formar os outros na mesma escola. Isto mesmo lhe pedem os homens : “O sacerdote é o homem de Deus, aquele que pertence a Deus e faz pensar em Deus. Quando a Carta aos Hebreus fala de Cristo, apresenta-O como um ‘sumo sacerdote misericordioso e fiel nas coisas que dizem respeito a Deus’ (Heb 2, 17) (…) Os cristãos esperam encontrar no sacerdote não só um homem que os acolhe, que os escuta com todo o gosto e lhes testemunha uma sincera simpatia, mas também e sobretudo um homem que os ajuda a ver Deus, a subir em direcção a Ele. É necessário, portanto, que o sacerdote seja formado para uma profunda intimidade com Deus. Aqueles que se preparam para o sacerdócio devem compreender que todo o valor da sua vida sacerdotal dependerá do dom que souberem fazer de si mesmos a Cristo e, por meio de Cristo, ao Pai” (141).
Num contexto de agitação e ruído como o da nossa sociedade, uma necessária pedagogia para a oração é a educação para o sentido profundamente humano e para o valor religioso do silêncio, qual atmosfera espiritual indispensável para se perceber a presença de Deus e para se deixar conquistar por ela (cf. 1 Re 19,11-14).
48. O ponto culminante da oração cristã é a Eucaristia, que, por sua vez, se situa como “cume e fonte” dos Sacramentos e da Liturgia das Horas. Para a formação espiritual de todo e qualquer cristão, e especialmente do sacerdote, é inteiramente necessária a educação litúrgica, no pleno sentido de uma inserção vital no mistério pascal de Jesus Cristo morto e ressuscitado, presente e operante nos sacramentos da Igreja. A comunhão com Deus, fulcro de toda a vida espiritual, é dom e fruto dos sacramentos; e ao mesmo tempo é tarefa e responsabilidade que os sacramentos confiam à liberdade do crente, para que viva esta mesma comunhão nas decisões, opções, atitudes e acções da sua existência quotidiana. Nesse sentido, a “graça”, que torna “nova” a vida cristã, é a graça de Jesus Cristo morto e ressuscitado, que continua a derramar o seu Espírito Santo e a santificar nos Sacramentos; tal como a “nova lei”, que deve guiar e regular a existência do cristão, a graça é inscrita pelos sacramentos no “coração novo”. Ela é ainda lei de caridade para com Deus e os irmãos, qual resposta e prolongamento do amor de Deus pelo homem, significado e comunicado pelos sacramentos. Pode-se compreender imediatamente o valor de uma participação “plena, consciente e activa” (142), nas celebrações sacramentais, para o dom e a tarefa daquela “caridade pastoral” que constitui a alma do ministério sacerdotal.
Isto vale sobretudo para a participação na Eucaristia, memorial da morte sacrificial de Cristo e da sua gloriosa ressurreição, “sacramento de piedade, sinal de unidade e vínculo de caridade” (143), banquete pascal no qual “se recebe Cristo, a alma se enche de graça e nos é dado o penhor da glória futura” . Ora os padres, na sua qualidade de ministros das coisas sagradas, são sobretudo os ministros do sacrifício da Missa: o seu papel é absolutamente insubstituível, pois sem sacerdote não pode haver oferta eucarística.
Isto explica a importância especial da Eucaristia na vida e ministério sacerdotal, e consequentemente na formação espiritual dos candidatos ao sacerdócio. Com grande simplicidade e no propósito de ser extremamente concreto, repito: “Convém, portanto, que os seminaristas participem diariamente na celebração eucarística, de tal modo que depois assumam como regra da sua vida sacerdotal esta celebração quotidiana. Eles deverão ser também educados no sentido de considerar a celebração eucarística como o momento essencial do seu dia a dia, no qual participarão activamente, jamais se contentando com uma mera assistência rotineira. Enfim, os candidatos ao sacerdócio devem ser formados nas íntimas disposições que a Eucaristia promove: o reconhecimento pelos benefícios recebidos do Alto, pois a Eucaristia é acção de graças; a atitude oblativa que os impele a unir à oferta eucarística de Cristo, a própria oferta pessoal; a caridade alimentada por um sacramento que é sinal de unidade e de partilha; o desejo de contemplação e de adoração diante de Cristo realmente presente sob as espécies eucarísticas”.
Imperioso e muito urgente é o apelo a redescobrir, no âmbito da formação espiritual, a beleza e a alegria do sacramento da Penitência. Numa cultura que, com renovadas e cada vez mais subtis formas de autojustificação, se arrisca a perder fatalmente o “sentido do pecado”, e, em consequência, a alegria consoladora do pedido de perdão (cf. Sal 51, 14) e do encontro com Deus “rico de misericórdia” (Ef 2, 4), urge educar os futuros presbíteros para a virtude da penitência, que é sapientemente alimentada pela Igreja nas suas celebrações e nos tempos do ano litúrgico e que encontra a sua plenitude no sacramento da Reconciliação. Daqui brotam o sentido da ascese e da disciplina interior, o espírito de sacrifício e de renúncia, a aceitação da fadiga e da cruz. Trata-se de elementos da vida espiritual que muitas vezes se revelam particularmente árduos para tantos candidatos ao sacerdócio criados em condições relativamente cómodas e abastadas e por isso tornados menos dispostos e sensíveis a estes mesmos elementos pelos modelos de comportamento e pelos ideais veiculados pelos meios de comunicação social, mesmo nos países onde as condições de vida são mais limitadas e a situação juvenil se apresenta mais austera. Por isso, mas sobretudo para realizar, segundo o exemplo de Cristo Bom Pastor, a “radical entrega da si mesmo”, própria dos sacerdotes, os Padres sinodais escreveram: “é necessário inculcar o sentido da cruz que está no coração do mistério pascal. Graças a esta identificação com Cristo crucificado, enquanto servo, o mundo pode reencontrar o valor da austeridade, da dor e mesmo do martírio, no interior da actual cultura embebida de secularismo, de avidez e de hedonismo” (147).
49. A formação espiritual comporta ainda o procurar Cristo nos homens. A vida espiritual é, de facto, vida interior, vida de intimidade com Deus, vida de oração e de contemplação. Mas precisamente o encontro com Deus e com o seu amor de Pai de todos, implica a exigência indeclinável do encontro com o próximo, do dom de si aos outros, no serviço humilde e desinteressado que Jesus propôs a todos como programa de vida, ao lavar os pés aos apóstolos: “Dei-vos o exemplo, para que tal como eu fiz, assim façais vós também” (Jo 13,15).
A formação para o dom generoso e gratuito de si mesmo, favorecido também pela forma comunitária normalmente assumida na preparação para o sacerdócio, representa uma condição irrecusável para quem é chamado a fazer-se epifania e transparência do Bom Pastor que dá a vida (cf. Jo 10, 11.15). Sob este aspecto, a formação espiritual possui e deve desenvolver a sua intrínseca dimensão pastoral ou caritativa, e pode utilmente servir-se também de uma justa, ou seja, sólida e terna devoção ao Coração de Cristo, como sublinharam os Padres sinodais: “Formar os futuros sacerdotes na espiritualidade do Coração do Senhor, implica levar uma vida que corresponda ao amor e ao afecto de Cristo Sacerdote e Bom Pastor: ao seu amor para com o Pai no Espírito Santo, ao seu amor para com os homens até entregar em imolação a sua própria vida” .
O presbítero é, portanto, o homem da caridade, e é chamado a educar os outros para a imitação de Cristo e para o Seu mandamento novo do amor fraterno (cf. Jo 15, 12). Mas isto implica que ele próprio se deixe continuamente educar pelo Espírito para a caridade de Cristo. Nesse sentido, a preparação para o sacerdócio não pode deixar de implicar uma séria formação para a caridade, particularmente para o amor preferencial pelos “pobres”, nos quais a fé descobre a presença de Jesus (cf. Mt 25, 40), e para o amor misericordioso pelos pecadores.
Na perspectiva da caridade, que consiste no dom de si mesmo por amor, encontra o seu lugar, na formação espiritual do futuro sacerdote, a educação para a obediência, para o celibato e para a pobreza (149). Vai neste sentido o convite do Concílio: “Que os alunos saibam de modo bem claro que não são destinados ao mando nem às honras, mas que se devem ocupar totalmente no serviço de Deus e no ministério pastoral. Sejam educados com particular solicitude para a obediência sacerdotal, na pobreza de vida e para uma abnegação de si mesmos, de tal maneira que se habituem a renunciar generosamente mesmo àquilo que, sendo lícito, não é conveniente, e a viver em conformidade com Cristo crucificado”.
50. A formação espiritual de quem é chamado a viver o celibato deve reservar uma atenção particular na preparação do futuro sacerdote para conhecer, estimar, amar e viver o celibato na sua verdadeira natureza e nos seus verdadeiros fins, portanto nas suas motivações evangélicas, espirituais e pastorais. Pressuposto e conteúdo desta preparação é a virtude da castidade que qualifica todas as relações humanas e que leva “a experimentar e a manifestar (…) um amor sincero, humano e fraterno, pessoal e capaz de sacrifícios, a exemplo de Cristo, para com todos e cada um”.
O celibato dos sacerdotes conota a castidade de algumas características em virtude das quais eles, “por amor do reino dos céus, renunciando à vida conjugal (cf. Mt 19, 12), aderem com amor indivisível ao Senhor muito em conformidade com a nova Aliança, dão testemunho da ressurreição da vida futura (cf. Lc 20, 36), e obtêm um auxílio muitíssimo útil para o exercício contínuo daquela perfeita caridade pela qual podem no ministério sacerdotal fazer-se tudo para todos” (152). Numa tal ordem de idéias, não se deve considerar o celibato sacerdotal como simples norma jurídica, nem como condição meramente exterior para ser admitido à ordenação, mas antes como valor profundamente conexo com a Ordenação sacra, que configura a Cristo Bom Pastor e Esposo da Igreja, e portanto como a escolha de um amor maior e indivisível a Cristo e à sua Igreja, na disponibilidade plena e alegre do coração para o ministério pastoral. O celibato deve considerar-se como uma graça especial, como um dom: “nem a todos é dado compreender, mas somente àqueles a quem foi concedido” (Mt 19, 11). Certamente uma graça que não dispensa, antes exige com particular energia a resposta consciente e livre da parte de quem a recebe. Este carisma do Espírito encerra também a força para que aquele que o recebe permaneça fiel por toda a vida e cumpra com generosidade e com alegria os compromissos que lhe estão inerentes. Na formação para o celibato sacerdotal deverá ser assegurada a consciência do “precioso dom de Deus”, a qual conduzirá à oração e à vigilância para que esse dom seja protegido de tudo o que o possa ameaçar.
Vivendo o celibato, o sacerdote poderá desempenhar melhor o seu ministério no meio do Povo de Deus. Em particular, enquanto testemunha do valor evangélico da virgindade, poderá apoiar os esposos cristãos a viverem em plenitude o “grande sacramento” do amor de Cristo Esposo pela Igreja sua Esposa, ao mesmo tempo que a sua fidelidade no celibato constituirá uma ajuda para a fidelidade dos esposos (154).
A importância e a delicadeza da preparação para o celibato sacerdotal, especialmente nas actuais condições sociais e culturais, levaram os Padres sinodais a uma série de apelos cuja validade permanente é, aliás, confirmada pela sapiência da Igreja mãe. Reproponho-os autorizadamente, como critérios a seguir na formação para a castidade no celibato: “Os bispos, juntamente com os reitores e directores espirituais dos seminários estabeleçam princípios, proporcionem critérios e dêem ajuda para o discernimento nesta matéria. De máxima importância na formação para a castidade no celibato, são a solicitude do Bispo e a vida fraterna entre os sacerdotes. No seminário, ou seja, no seu programa de formação, o celibato deve ser apresentado com clareza, sem qualquer ambiguidade e de modo positivo. O seminarista deve possuir grande maturidade psíquica e sexual, bem como uma vida assídua e autêntica de oração e deve colocar-se sob a guia de um director espiritual. Este deve ajudar o seminarista para que ele mesmo chegue a uma decisão madura e livre, que se fundamente na estima da amizade sacerdotal e da autodisciplina, como também na aceitação da solidão e num recto equilíbrio pessoal físico e psicológico. Para isto, os seminaristas conheçam bem a doutrina do Concílio Vaticano II, a Encíclica Sacerdotalis Caelibatus e a Instrução sobre a formação para o celibato sacerdotal, emanada da Congregação para a Educação Católica em 1974. Para que o seminarista possa abraçar com decisão livre o celibato sacerdotal pelo Reino dos céus, é necessário que conheça a natureza cristã e verdadeiramente humana bem como os fins da sexualidade no matrimónio e no celibato. É preciso também instruir e educar os fiéis leigos acerca das motivações evangélicas, espirituais e pastorais próprias do celibato sacerdotal de modo que ajudem os presbíteros com a amizade, a compreensão e a colaboração”.
João Paulo II, Pastores dabo vobis, 45-50