Lencten

Lencten

Estamos neste momento a viver juntos, em Igreja, a Quaresma. O termo “quaresma” (do latim quadrigesima) significa “quadragésimo dia (40º dia) antes da Páscoa. Se formos à etimologia germânica, o equivalente a Quaresma seria “lent”, palavra que provém do termo “lencten”, que significa “primavera”.

De forma sintética, podemos definir então Quaresma como o período de 40 dias antes da celebração da Páscoa, que coincide, em grosso modo, com o início da primavera. De facto, a Quaresma se for bem vivida, é uma verdadeira primavera espiritual, que proporciona a brotação e o florescimento da graça já implantada em nós, mas que muitas vezes não se desenvolve porque impedimos que a luz do Espírito estimule a sua semente.

Outro aspeto interessante da Quaresma, é o significado que o número quarenta (40) adquire. Na Sagrada Escritura, o número 40 é geralmente associado a períodos de preparação, expectativa e mudança. Também Bento XVI diz-nos que o número 40 é “um número que exprime o tempo da expectativa, da purificação, do regresso ao Senhor e da consciência de que Deus é fiel às Suas promessas” (Audiência Geral de 22 de fevereiro de 2012).

Vemos, por exemplo, que este simbolismo está imerso em vários episódios-chave das Escrituras, tais como: os 40 dias e as 40 noites que Deus fez chover no tempo de Noé, que levaram ao dilúvio, e que antecederam o estabelecimento de uma nova Aliança; os 40 dias que Moisés jejuou no Monte Sinai, que prepararam a entrega do Decálogo e ao estabelecimento de um novo pacto, os 40 anos de Israel no deserto rumo à Terra Prometida, …, os 40 dias de Jesus no deserto antes dos acontecimentos pascais, os 40 dias em que o Ressuscitado permaneceu com os seus, ensinando-os e instruindo-os antes de subir ao Céu… E, portanto, a escolha de 40 dias não é ao acaso; é tempo de reavivar a esperança no Senhor, acreditar que Ele cumpre sempre o que promete, de nos convertermos a Ele… criarmos um ambiente favorável para que a semente da graça germine e dê flor.

Atrever-me-ia a dizer que todos nós somos como uma semente; uma semente que germina durante quarenta dias e floresce ao longo da Páscoa.

E para que uma semente se desenvolva e gere flor é preciso criar condições para tal. São geralmente necessários quatro elementos: terra, nutrientes, água e luz.

A terra desempenha um papel fundamental no sucesso da sementeira, fornecendo um ambiente propício para o crescimento das plantas; além de fornecer um meio físico para as sementes germinarem, dá suporte estrutural para as raízes emergentes. Normalmente, se plantarmos uma semente em superfícies sem terra – entendida como aquele pó escuro que sustenta a vida e a beleza do mundo vegetal; aquela substância rica e fértil que serve de berço para as sementes, não há vida, nada cresce. E se cresce, não se desenvolve e atrofia.

Também nós, entendidos como sementes, se quisermos florir, se quisermos “nascer para uma vida nova, com Cristo”, não podemos prescindir da terra. É isso que a liturgia de Quarta-Feira de Cinzas nos recorda: “Lembra-te que és pó da terra”. É na terra que criamos raízes; somos feitos de terra e para a terra. Não existem sementes aéreas. E esta terra tem de ser provada constantemente; uma semente que não passe por desafios antes de brotar, que não resista a condições adversas, será certamente arrasada quando for planta; por isso, muitas vezes as sementes só germinam quando são expostas a condições adversas como a falta de água, o frio, choques mecânicos… Assim como uma semente enfrenta o desafio de germinar e crescer nestas condições, a penitência e o jejum envolvem enfrentar dificuldades e restrições voluntárias na esperança de crescimento. E é engraçado que todo este processo leve cerca de 40 dias; é a preparação, a expectativa e a mudança.

Outro elemento extremamente necessário: os nutrientes. Os nutrientes são fundamentais para o desenvolvimento saudável das plantas, uma vez que fornecem os elementos necessários para o crescimento e para a resistência do vegetal contra o stress ambiental. Uma deficiência ou desequilíbrio nos níveis de nutrição pode comprometer o futuro da planta e impedir que esta floresça. Ora, os nutrientes são como a oração; assim como a semente nada é sem nutrientes, o homem nada é sem a oração. A oração é, portanto, esta “nutrição” que alimenta a alma e fortalece a relação com Deus e sem a qual a “planta” não cresce nem se desenvolve.

Além da terra e dos seus nutrientes, é também preciso água. A água é essencial para o desenvolvimento das plantas desde o estádio inicial da germinação até à maturidade. A água fornece a humidade necessária para amolecer a casca da semente e iniciar o processo de crescimento, além de facilitar a absorção de nutrientes e a síntese de compostos vitais para o crescimento das plantas. A água representa um momento de transformação e renascimento. No batismo cristão, a imersão na água ou a aspersão simbolizam a morte para o pecado e o renascimento para uma nova vida em Cristo. Da mesma forma, quando uma semente absorve água e inicia o processo de germinação, experimenta uma transformação fundamental: passa de um estado de dormência para um estado de crescimento e vitalidade.

O último elemento imprescindível para a floração é o sol. O sol é essencial para o crescimento saudável das plantas; estimula a produção de clorofila, que é crucial para a fotossíntese e para o desenvolvimento vegetativo. Da mesma forma, o Espírito Santo é Aquele que promove o crescimento espiritual dos cristãos, capacitando-os para crescer na fé, no amor, na paciência e na bondade. Além de fornecer luz, o sol também aquece a terra e as plantas, proporcionando conforto e facilitando o seu crescimento. É neste conforto que a semente floresce.

Uma semente que fique em terra nutrida, durante quarenta dias, num ambiente húmido e ensolarado florescerá com a vinda da Primavera.

Todos nós somos sementes. Temos dentro de nós um potencial incrível: somos potência de uma vida nova que a primavera nos traz. A ressurreição de Cristo é esta primavera; mas assim como uma semente precisa de terra fértil, nutrientes, água e luz para crescer, nós também necessitamos da base sólida da fé, da nutrição da oração, da água purificadora do batismo e da luz do Espírito Santo.

Que possamos, ao longo desta Quaresma, criar as condições necessárias para florescer e renascer com Ele na Páscoa, celebrar a vitória da vida sobre a morte e o amor redentor de Deus por nós.

 

Elson Medeiros, 5º ano

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