Editorial
As III Jornadas de Teologia, com tema: “ARTE, EXPRESSÃO QUE TRANSCENDE”, realizadas entre 20 e 22 de Março de 2019, pretenderam dar um humilde contributo para uma reflexão crítica e ponderada acerca dos desafios que a arte nos coloca no contexto da mensagem cristã. Quando se define que a arte é a ciência do irrepetível, diz-se algo de eternidade.
A História da arte cristã mostra uma alternância de tendências que poderíamos chamar de imanência e transcendência, uma oscilação entre o gosto pela imagem e a preferência pelo sinal simbólico.
Neste sentido, uma das excelências do cristianismo é a sua capacidade para abrir canais de expressão a essas duas fundamentais potencialidades do ser humano: a sensibilidade e o espírito. Os conflitos que angustiam a vida pessoal do cristão polarizam-se à volta da tensão entre a sua sensibilidade e a sua razão, com o intuito de legitimar a vida do sentido sem que o espírito seja atraiçoado.
Estamos conscientes de que o Homem contemporâneo apresenta novas formas de expressão artística que exprimem, a seu modo, a transcendência, e que constituem o lugar teológico para que a fé cristã se exprima e ultrapasse um revivalismo empobrecido.
No seu discurso aos artistas, em 2009, Bento XVI retoma a afirmação categórica de Simone Weil: “Em tudo o que suscita em nós o sentimento puro e autêntico da beleza, há realmente a presença de Deus. Há quase uma espécie de encarnação de Deus no mundo, da qual a beleza é o sinal. A beleza é a prova experimental de que a encarnação é possível. Por isso qualquer arte de categoria é, por sua essência, religiosa”.
Neste número, partilhamos com o leitor os estudos dos ilustres conferencistas. A Dra. Marta Bretão, professora de Arqueologia e Arte no Seminário, lega-nos uma nota explicativa da exposição que orientou aquando a realização das referidas Jornadas. Dom João Evangelista Pimentel Lavrador, Bispo da Diocese de Angra, apresenta o tema “Arte e Teologia”. Reflete sobre a Teologia e a arte em diálogo, a partir de três documentos essenciais da Igreja: as Constituições Conciliares Sacrosanctum Concilium e Gaudium et Spes e a mensagem do Papa João Paulo II aos Artistas. Realça sobretudo que arte se torna autêntica se apontar para o Transcendente. Apesar da relação entre a arte, a criação e a presença de Deus nas obras criadas, ao longo da história nem sempre foi possível estabelecer esta relação. A arte, quando é autêntica, é sempre reveladora do Mistério. O Padre Joaquim Félix de Carvalho, professor e investigador de Liturgia na Faculdade de Teologia da Universidade Católica, presenteia-nos o tema “Via sapiencial das artes na liturgia: desafios contemporâneos”. No sumário propõe refletir sobre artes que interagem na espacialidade e na ação litúrgicas. A consideração da liturgia como ‘jogo’, na visão de Romano Guardini, é o ponto de partida. Assim, desde a sua hermenêutica, mas transcendendo o seu texto, propõe-se que as artes litúrgicas sejam valorizadas como expressão sacramental. O Padre Cipriano Franco Pacheco, Professor de Filosofia no Seminário, aborda o tema: “Estética e Mística em São Tomás de Aquino”. O autor explora a Via do pulchrum ou do belo, pela sua ligação ao sentimento de prazer ou de gozo. Afirma que ela se revela não só capaz de atração, mas também de contemplação, apontando, assim, para duas dimensões muito presentes no pensamento de S. Tomás, a saber, a estética e a mística, áreas vulgarmente menos abordadas em relação ao pensamento de Tomás de Aquino. O Padre Alexandre Palma, Professor e Investigador na Faculdade de Teologia da Universidade Católica, apresenta o tema: “Estética e Teologia. Contexto, fundamentos e desafios”. Desafia o leitor a repensar a referida relação. No presente artigo, exploram-se alguns tópicos fundamentais da relação entre teologia e estética, expõe-se a proposta de uma estética teológica e ponderam-se alguns desafios da integração da estética na vida e ação eclesiais (sumário). Lega-nos um autêntico desafio: No fundo, uma maior incorporação da questão estética na vida eclesial não se pode limitar a mostrar o belo, mas terá também de fazer um caminho concomitante de conversão dos sentidos. Porque ao contrário do que por vezes podemos pensar, também precisamos de aprender a ver, a ouvir, a tocar. Finalmente, a Professora Sandra Costa Saldanha, do Secretariado Nacional para os Bens Culturais da Igreja, partilha com o leitor os desafios de comunicação e envolvimento das comunidades em relação ao Património eclesial. Desenvolve a ponderação de novos caminhos, no processo de comunicação, partilha e usufruto dos Bens Culturais da Igreja, mas também a sua efetiva colocação ao serviço das comunidades e da missão que lhe está confiada.
Na segunda parte desta edição apresentamos dois estudos distintos. O Padre Teodoro Medeiros, doutorando em Teologia Bíblica na Pontifícia Universidade Urbaniana, adentra-nos no mundo especializado, mas fascinante, da exegese bíblica, através do método da leitura narrativa, com o tema: “Um terreno exegético por explorar: a abordagem linguística de Alain Rabatel à categoria de ponto de vista”, parte integrante dos seus estudos mais recentes. Procura mostrar a inadequação do modelo genettiano para fazer face à complexidade das obras narrativas. O artigo expõe o essencial da dissensão rabateliana com esse modelo e a sua proposta teórica. Tal proposta mostra-se particularmente eficaz na leitura de 1Sam 17, 42. Finalmente, é feita uma breve incursão no texto de Mc 1, 21-28, a inauguração do ministério do Filho de Deus em Marcos. O caso de Mc 1, 24, que regista as palavras do espírito impuro, confirma o desligamento enunciativo como uma técnica marcana. Finalmente, destacamos o contributo do canonista, Cónego João Maria Mendes, professor nesta Instituição, através do estudo “90.º aniversário dos Pactos Lateranenses e da criação do Estado da Cidade do Vaticano”. Desenvolve esta temática específica do direito público internacional, fazendo memória do dia 11 de Fevereiro de 2019 em que se completaram os 90 anos da assinatura do Tratado de Latrão entre o Reino de Itália e a Santa Sé que, entre vários acordos, deu origem ao novo Estado da Cidade do Vaticano.
Numa terceira secção apresentamos a composição, as atividades e os dados mais significativos da vida do Seminário de Angra, ao longo do ano 2019.
Registamos com apreço e imensa gratidão o contributo, competência e o esforço de todos os intervenientes nesta edição. Contudo, queremos dedicar este número ao Monsenhor José Soares Nunes, professor e formador nesta Instituição durante várias décadas. A sua enorme dedicação ao ensino da Teologia, detalhadamente preparado e serenamente transmitido, deixa-nos um legado de grata memória. A solidez da sua doutrina, bem como a fidelidade ao Magistério, caraterizavam a sua formação e personalidade. Repetia constantemente que “a Teologia se estuda de joelhos”. Pode adequar-se perfeitamente à sua personalidade o que afirma o Ben Sirá:
Muitos louvarão a sua inteligência,
que jamais será esquecida.
Não desaparecerá a sua memória
e o seu nome viverá de geração em geração.
(Sir 39, 9)