Um crente não tem medo, nunca tem medo, afirma Monsenhor António da Luz

Antigo professor do Seminário de Angra alerta para o “indiferentismo” como o grande inimigo de Deus

O grande inimigo de Deus nas sociedades contemporâneas é o “indiferentismo” afirmou esta noite monsenhor António da Luz, antigo professor de Teologia no Seminário  de Angra, no primeiro dia das V Jornadas de Teologia promovidas pelo Seminário  sob o lema “Estamos todos no mesmo barco: uma Igreja (pós) pandemia”, formato presencial e online.

“O indiferentismo é, de facto, um grande inimigo de Deus e uma ameaça” referiu o sacerdote que leccionou no Seminário de Angra durante um quarto século, sobretudo Teologia Moral e hoje vê publicada a sua obra crítica sobre o pensamento de Nietzsche, autor que traduziu e interpretou na sua tese de dissertação de licenciatura.

Depois do agnosticismo e do niilismo de Nietzsche, é o “indiferentismo moderno que torna Deus irrelevante e os cristãos têm a obrigação de se insurgir contra isso”, referiu

“Na sociedade de hoje Deus não conta para nada; o que é importante é o dinheiro, o poder  e o prestígio. Para a maior parte das pessoas não é Deus que interessa mas outros deuses e nós cristãos, diante deste indiferentismo, não podemos ter medo de contrapor a Ideia de Deus” afirmou.

“Quem acredita que Deus é Deus não se pode calar, porque tem uma alegria interior, porque não tem medo. Quem tem fé não pode ter medo”, enfatizou.

“Estamos numa época nova e temos de ter consciência disto levando Jesus Cristo às pessoas; Ele morreu e ressuscitou para estas pessoas concretas e não para outras e nós Igreja temos de ser capazes de lhes levar este Cristo”, sublinhou desfiando uma série de elogios ao pontificado do Papa Francisco que considerou um regresso aos documentos fundamentais do Concílio Vaticano II, que viveu intensamente na altura da sua juventude.

“Os documentos deste pontificado marcam um regresso aos grandes documentos do concílio como a Gaudium et Spes ou a Lumen Gentium” reconheceu, destacando que Francisco é herdeiro de um “cristianismo simples”, numa “igreja pobre”.

“Jesus não procurou adeptos mas discípulos e, por isso, o que importa é de facto a qualidade dos cristãos, como estamos dispostos a escutar a Palavra e a testemunhá-La. Importante é encontrar Deus e isso faz-se na humildade, na simplicidade, na pobreza . A alegria da fé não é exatamente sinónimo de sabedoria cientifica” concluiu depois de apresentar um conjunto de ideias sobre o trabalho que hoje foi dado à estampa na Revista Fórum Teológico XXI, a revista do Seminário de Angra que publica mais de 200 páginas do trabalho que desenvolveu durante o estudo aturado da obra de Nietzsche.

“Queria que esta homenagem não fosse para mim mas para todos: para os meus colegas professores e para todos os alunos que hoje são doutores com todas as letras”, gracejou o sacerdote que, aos 86 anos, vê o seu trabalho publicado em livro.

“Hoje vivemos numa sociedade das imagens, e deixamos de refletir e de pensar. Damos um clique e estamos em todo o lado mas o mais importante num cristão é saber dar testemunho e não ter medo”, sublinhou ainda.

Este “amor a Deus” foi, de resto, elogiado pelo padre José Júlio Rocha que apresentou o trabalho do seu antigo professor, “um homem à frente do seu tempo, que apresentava autores polémicos , mas o que mais o distingue é o seu amor a Jesus”.

Entrando pela obra de António da Luz, o professor de Teologia Moral do Seminário sublinhou a ideia do autor de que Nietzsche foi uma espécie de “purificador do conceito de Deus” e mais do que um critico do Cristianismo era “um crítico de uma certa representação de Deus”, naquela que é “uma das melhores” leituras “a partir de uma perspetiva cristã, da obra de Nietzsche”.

“Não sendo uma dissertação exaustiva de uma ou outra faceta do pensamento do filósofo alemão, esta obra consegue resumir e concatenar a essência da filosofia de Nietzsche e a evolução dos seus passos, sempre a partir de uma perspetiva cristã”, afirmou.

“A linguagem é simples e compreensível, possibilitando uma leitura agradável e não difícil, coisa rara em filósofos e em quem escreve sobre filósofos, como é o caso. António da Luz, não sendo filósofo, usa com propriedade os conceitos filosóficos, sem dificultar o texto”, afirmou ainda.

Filólogo e apaixonado pela mitologia greco-romana, Nietzsche vê em Dionísio, o deus grego do prazer, do vinho, das paixões, o deus que “aceita a vida tal como ela é”, bem ao contrário de Apolo, o deus da beleza, da forma, da poesia, do intelecto, lembrou o padre José Júlio Rocha na sua apresentação.

“ Dionísio é a superabundância da vida, da embriaguez e da exaltação dessa vida, da energia vital, onde a paixão é a virtude. Os valores dionisíacos são, para Nietzsche, a antítese dos valores cristãos. É a partir daí que se forma todo o seu pensamento contra o cristianismo, que ele considerava a mais perfeita corrupção da humanidade” frisou.

“É aqui que se desenvolve a primeira parte do trabalho de António da Luz: o Cristianismo visto e atacado por Nietzsche. A “morte de Deus” anunciada na cidade pelo “louco”, não é apenas uma constatação: é uma vontade de poder humano e da sua libertação”, destacou a partir da obra de António da Luz.

Na sessão de abertura das V Jornadas de Teologia do Seminário de Angra, o reitor lembrou o propósito destes próximos três dias de reflexão a partir do tema das jornadas que pretendem problematizar a “sociedade onde nos inserimos e a Igreja a onde nos encontramos”.

“Ainda está muito viva a imagem de uma Papa idoso, sozinho, quando todos fomos surpreendidos por uma pandemia” e “agora por uma guerra”, referiu o padre Hélder Miranda Alexandre.

“A pandemia foi e ainda é uma grande tempestade;  nunca sabemos o que esperar de uma tempestade, mas sabemos que depois da tempestade vem a bonança, na esperança de dias melhores” e que “para lá chegarmos precisamos de remar juntos” que é como quem diz uma forma  de “sinodalidade”.

“Como mergulhar em águas mais profundas para correspondermos aos anseios dos homens e mulheres de hoje” é porventura a grande interpelação destas jornadas.

Em formato misto- presencial e on-line- o encontro prossegue amanhã, quarta-feira. A sessão será moderada pelo padre Teodoro Medeiros, e as duas conferências serão proferidas pelos padres Pedro Lima e Hélder Fonseca Mendes. O primeiro falará sobre “Com Deus a vida não morre jamais” e o segundo, atual administrador diocesano, falará sobre “Para tudo há um tempo: tempo para demolir e tempo para construir”.

No dia 24, com moderação de Ana Carina Ferreira, as conferências serão proferidas por dois leigos: Piedade Lalanda, socióloga e diretora do Serviço Diocesano da Pastoral Social, falará sobre “os laços sociais no pós pandemia” e Ricardo Brasil sobre “A saúde mental pelos caminhos da pandemia”.

O último dia das jornadas que seria pontuado pela conferência do padre jesuíta João Vila-Chã, da Pontifícia Universidade Gregoriana que falaria sobre “O futuro da Igreja é agora: sobre a dialética de comunicação e testemunho”, foi cancelado devido a doença do palestrante.

(Fotos retiradas da página do facebook do Seminário de Angra, da autoria de Elson Medeiros)

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