Tocar-lhe

Durante esta semana, regressei ao Seminário de Angra, para fazer um balanço sobre estes quatro meses de estágio. E nesta semana, tive a oportunidade de fazer uma reflexão com todos os seminaristas e sacerdotes residentes na Casa, que hoje partilho convosco:

«TOCAR-LHE»
No texto bíblico de Mc 6, 53-56, encontramos a chegada de Jesus a outra localidade (Genesaré), para curar as enfermidades e para instaurar o Reino de Deus, através dos seus milagres e prodígios. Esta foi a sua missão e é também a nossa missão. Porque somos filhos de Deus e desde o nosso batismo somos convocados para continuamos a sua missão: Anunciarmos o Santo Evangelho.

Hoje, é necessário por em prática 3 verbos associados a este texto de Marcos: acreditar; caminhar; tocar.
Com efeito, é este Deus, feito homem em Jesus que deixa-se tocar e permite que Lhe toquem. As pessoas daquele tempo corriam até Jesus porque reconheciam n’Ele a fonte da vida e, também por isso, procuravam tocá-lo e levar-Lhe os doentes. Hoje somos capazes de correr para Jesus? E de levar as pessoas até Ele?

Mas não se trata de um esforço ascendente em que eu procuro tocar Jesus, mas de um corresponder-Lhe, porque de algum modo Ele é quem toca primeiro. Caros amigos, Deus toca-nos todos os dias e faz com que toquemos n´Ele. E será que nos permitimos ser tocados por Ele, através de um irmão/amigo? E de forma privilegiada somos tocados pelos sacramentos. De uma forma que não se pode qualificar nem quantificar, nem é possível. Somos tocados por Deus ao comungarmos Corpo de Cristo. Naquele pequeno fragmento de pão aparente «está a solução para todos os problemas da terra ».
Hoje há tantos gestos e formas que tentam ofuscar Deus. Mas Deus existe! Se a pintura é prova de um pintor, se a construção é a prova de um construtor, a criação é prova do Criador. E o criador é Deus. Então, «toca-lhe».

Se procuras por onde queres ir, apega-te a Cristo . Esta é a verdadeira razão da nossa existência e «ter uma razão para viver permite-nos sustentar o como da existência ». Esta razão é Cristo e a nossa existência é para Cristo.

Para que possamos permitir que Ele toque, há que ter intimidade com Ele. Esta intimidade nasce a partir do silêncio e nada melhor que ter um lugar privilegiado de encontro. No texto de 1 Rs 8,1-7.9-13 encontramos Salomão, aquele que edificou um templo e deu-lhe a dignidade. Mas Deus não precisa de uma casa para habitar, Deus habita e deseja habitar no coração de cada homem. No entanto, devido à nossa condição humana, precisamos da CASA para encontrar com Deus, para fomentar a intimidade. Esta intimidade constrói-se verdadeiramente a partir da Palavra de Deus e junto do Tabernáculo. Por essa razão temos Igrejas, Santuários, etc, para estar, ficar e permanecer, para celebrar, escutar e acolher para depois agir. Deixai-me que vos diga: é aqui que muitas vezes pecamos: refletimos muito; rezamos pouco; e agimos nada. Podemos construir e reconstruir Templos e Igrejas, mas Deus vai continua à espera do nosso coração. E enquanto não deixarmos Deus entrar e tocar, vamos continuar a ser mundanos.

Neste dia, em que fazia esta reflexão aos seminaristas e sacerdotes, a Igreja celebrava a memoria de Santa Ágata. Mais uma vez a Igreja nos propunha a vida de santidade, não uma vida “beatéria”. Isto é, encarnar na história da minha vida, a vida de Cristo. E olhando para este martírio (251 d.C.) de uma mulher com integridade da fé, pureza e testemunho de Cristo, fez-me exclamar uma frase de Paulo: Com os fracos me tornei fraco (1 Cor 9,22)
De facto, aquele que dá verdadeiro testemunho de Cristo torna-se fraco, engole o orgulho, e faz o exercício de encarná-Lo na sua vida no amor ao próximo. O mundo é salvo pelo Crucificado e não pelos que crucificam. Amigos, muitas vezes queremos continuar no conforto, o “estar na minha”. Há que desinstalar dos lugares cómodos e fechados do sucesso garantido. Não foi para isso que Jesus veio, e não será para isso que Deus nos envia.

Posso ter parecido pessimista há pouco quando dizia: “refletimos muito; rezamos pouco; e agimos nada”. Não desanimemos se não conseguirmos à primeira. Tenhamos a certeza que enquanto houver vontade de lutar haverá esperança de vencer.

André Furtado
Seminarista estagiário

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