A fé é o reconhecer da nossa contingência, da nossa fraqueza, é o reconhecer de que não possuímos nada e que de facto tudo é dom – puro dom. A atitude típica da fé é esperar tudo, todos os dons das mãos de Deus.
A sociedade hodierna incorre numa lógica completamente contrária à lógica de Deus e dos seus desígnios para ela mesma.
O homem de hoje, orgulhoso, considera todos estes dons como seus e apropria-se deles. Hoje, o homem, considera que tudo depende de si como que na vida não houvesse o constante dom de Deus, a pura gratuidade dada a cada um de nós numa dinâmica que somente o Amor pode realizar.
Cada vez mais vamos ficando destreinados para viver na fé. É muito difícil nascer para a pobreza do coração, para a atitude de infância espiritual que tão bem soube viver a jovem Santa Teresa do Menino Jesus.
Nesta semana escutávamos a passagem do evangelho que narra o episódio do jovem rico que tristemente se afastou depois de Jesus lhe ter proposto a renúncia dos bens materiais que ele possuía. Aquele jovem que aparentemente parecia estar aberto a Deus era no fundo escravo das coisas temporais, escravo do seu património que o fazia estar bem instalado na sua vida regalada.
Fazendo uma breve reflexão sobre este excerto, podemos concluir que o apego ao temporal, àquilo que Deus criou, àquilo que é apenas dom seu e nada mais, mas não Ele próprio, pode, na verdade, escravizar-nos.
Hoje, numa conversa de café, com amigos falávamos de Abraão e da sua confiança em Deus. Foi neste instante, enquanto durava esta conversa, que me surgiu a ideia de escrever sobre este tema dos dons de Deus.
Abraão é de facto o exemplo perfeito de como a vida e tudo o que ela contém é dom. Este nosso pai na fé recebeu um dom admirável: um filho, nascido já na sua velhice. Este nascimento foi de certo a sua maior alegria pois tinha recebido o maior tesouro que um ser humano pode ter.
Ora, os pais normalmente apropriam-se dos filhos. No entanto, Deus pede a Abraão a vida do seu filho e este acedeu. Aquela criança, vejamos, poderia ter sido um obstáculo ao seu total abandono a Deus. Mas não o foi como bem sabemos.
É preciso termos em conta que a apropriação de um dom equivale sempre à sua destruição. Abraão ao entregar o seu filho numa atitude de total abandono nas mãos de Deus vivencia a experiência máxima da fé. Deus poupa-lhe assim o seu primogénito por isso mesmo, por ele confiar totalmente.
Que sejamos como Abraão que ao entregar o seu filho não apenas o recuperou mas recebeu por isso o dom multiplicado: a graça da santidade.
Vamos ver a vida como um dom e ser também um dom na vida uns dos outros. Foi para isso que o Bom Pai nos trouxe a esta existência.
Duc in Altum!
Nuno Fidalgo