Património cultural e religioso do cristianismo marcado pelas opções tridentinas

Reação da Igreja à Reforma determinou muitas opções estéticas da Igreja Católica

As duas últimas conferências das Jornadas Teológicas promovidas pelo Seminário de Angra abordaram o património cultural da igreja e a música sacra como duas expressões que ajudam na relação com o Divino, com as conferências da diretora do Secretariado Nacional dos Bens Culturais, Sandra Costa Saldanha e o musicólogo Rui Viera Nery, respetivamente.

Sandra Costa Saldanha procurou clarificar algumas das diretrizes pastorais da Idade Moderna, em torno do património cultural, particularmente o religioso, após o Concilio de Trento, em meados do século XVI, para sublinhar a importância que historicamente assumiu a preservação preventiva do património religioso para a Igreja.

Na conferência “Sanctarum Imaginum, entre o Homem e o Divino: reflexões sobre algumas diretrizes pastorais na Idade Moderna” a responsável pelo organismo da Igreja lembrou que muitas das orientações pós Concílio de Trento tiveram por base o principio de que as imagens potenciam uma relação com Deus e encerram uma função eminentemente catequética

“A valorização da representação e veneração dos Santos; a estima das relíquias; a ostentação de um modelo exemplar de veneração dos mártires; a defesa do uso benévolo das imagens e do seu papel pedagógico catequético, procurando sempre adequar uma finalidade associada a cada imagem no combate à heresia iconoclasta” constituíram as principais diretrizes do Concilio de Trento que depois acabaram por vigorar nas constituições diocesanas em vários países.

A defesa do património, com regras que vão além  dos habituais critérios estéticos mas também dizem respeito ao uso correto desse património, especialmente no que às imagens diz respeito, “é uma preocupação que ainda hoje se mantém viva nos nossos dias”, referiu a historiadora que destacou que a Igreja, através deste conjunto normativo acabou por tentar converter a “arte num meio de imposição da sua influência”.

“Pela primeira vez a Igreja preocupa-se com a simbologia da imagem e do seu modus faciendi, sendo definidas fórmulas muito concretas relativamente ao que se faz e sobretudo ao como se faz e divulga”.

“O controlo da representação ganha sentido ideológico; condena  tudo o que tem por base os textos apócrifos, lendas e tradições, particularmente exigindo maior decoro e descrição” prosseguiu Sandra Costa Saldanha que salientou, ainda, o facto da produção artística portuguesa nesse tempo, sobretudo nos domínios ultramarinos portugueses, onde o Cristianismo se confrontava com religiões diferentes, ter ficado muito marcada pelas normas tridentinas.

“Neste sentido, o papel renovador de Trento assentou na afirmação litúrgica de cultos específicos e na definição de princípios artísticos e normativos que , ainda hoje, mantém a sua atualidade”, concluiu.

Por seu lado, o musicólogo Rui Vieira Nery, que falou sobre a “Temporalidade e Transcendência na Música Sacra: a difícil mediação” procurou apresentar vários momentos, ao longo da história, para explicar como se respondeu a esta aparente contradição que é na música de inspiração religiosa se procurar a transcendência, numa comunicação com o divino, e com o eterno, e por outro lado, a própria conjunturalidade da criação e produção artística, que condiciona essa tentativa de chegar ao divino.

No fundo, em causa está segundo o historiador, a apreciação de uma espécie de negociação entre este desejo macro de relação com o divino e o condicionalismo que vem do gosto, do espaço, da opção estética e artística dos artistas em cada momento.

“A igreja tem-se colocado, ao longo da história, como um árbitro, um regulador que, simultaneamente, tem a consciência da passagem do tempo e da necessidade de responder aos desafios concretos de cada momento e da eternidade da sua mensagem e da sua missão”, afirmou.

“A história da música religiosa, é no fundo, a história deste compromisso entre estas duas dimensões”, enfatizou.

O historiador de música e musicólogo recuou ao período pré cristão, no qual se revelaram preocupações em fazer e produzir música, e percorreu vários períodos da história da música sempre tendo presente a questão da função pedagógica da música , de que os doutores da igreja vão ser herdeiros.

“A música inserida no culto não é um fim em si própria; é antes um veículo para levar a um fim e por isso tem de ser eficaz” adiantou conclusivamente salientando a preocupação pela sonorização da palavra, que sempre norteou a Igreja, ciente de que a palavra musicada “tem sempre uma amplitude maior”.

“Arte, expressão  que transcende” foi o mote das III jornadas de Teologia promovidas pelo Seminário Episcopal de Angra, entre 20 e 22 de março, que no total contou com seis conferências, o lançamento do segundo volume da revista cientifica do Seminário Fórum Teológico XXI.

Durante os três dias esteve ainda patente ao publico uma pequena mostra museológica de arte sacra que reuniu mais de uma dúzia de peças do espólio do Seminário entre objetos de paramentaria, alfaias litúrgicas, gravuras e documentos.

 

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