A formação pastoral: comungar da caridade de Cristo Bom Pastor
57. Toda a formação dos candidatos ao sacerdócio é destinada a dispô-los de modo particular para comungar da caridade de Cristo, Bom Pastor. Portanto, nos seus diversos aspectos, esta formação deve ter um carácter essencialmente pastoral. Afirma-o claramente o decreto conciliar Optatam totius, relativamente aos seminários maiores: “a educação dos alunos deve tender para o objectivo de formar verdadeiros pastores de almas segundo o exemplo de Nosso Senhor Jesus Cristo mestre, sacerdote e pastor. Por isso os aqueles sejam preparados: para o ministério da Palavra, para que a Palavra de Deus revelada seja por eles cada vez melhor entendida, apropriem-se dela pela meditação, e saibam comunicá-la por palavras e com a vida; para o ministério do culto e da santificação, para que pregando e celebrando as acções litúrgicas saibam exercitar a obra da salvação por meio do sacrifício eucarístico e dos sacramentos; para o ministério de pastores, para que saibam apresentar aos homens Cristo que ‘não veio para ser servido, mas para servir e dar a vida pela redenção de muitos’ (Mc 10, 45; cf. Jo 13, 12-17) e para ganhar a muitos, fazendo-se servo de todos (cf. 1 Cor 9, 19).
O texto conciliar insiste na profunda coordenação existente entre os diversos aspectos da formação humana, espiritual e intelectual, e, ao mesmo tempo, na sua específica finalidade pastoral. Nessa linha de idéias, o objectivo pastoral assegura à formação humana, espiritual e intelectual determinados conteúdos e características específicas, da mesma forma que unifica e caracteriza a inteira formação dos futuros sacerdotes.
Como qualquer outra formação, também a formação pastoral se desenvolve através da reflexão madura e da aplicação operativa, e aprofunda as suas raízes vivas num espírito que constitui o fulcro e a força de impulso e de desenvolvimento de tudo.
Exige-se, portanto, o estudo de uma verdadeira e autêntica disciplina teológica: a teologia pastoral ou prática, que é uma reflexão científica sobre a Igreja no seu edificar-se quotidiano, com a força do Espírito, dentro da história; sobre a Igreja, portanto, como “sacramento universal da salvação”, como sinal e instrumento vivo da salvação de Jesus Cristo na Palavra, nos Sacramentos e no serviço da Caridade. A pastoral não é apenas uma arte nem um complexo de exortações, de experiências ou de métodos; possui uma plena dignidade teológica, porque recebe da fé os princípios e critérios de acção pastoral da Igreja na história, de uma Igreja que se “gera” em cada dia a si mesma, segundo a expressão feliz de S. Beda o Venerável: “Nam et ecclesia quotidie gignit ecclesiam”. Entre estes princípios e critérios, se encontra aquele particularmente importante do discernimento evangélico das situações sócio-culturais e eclesiais, no seio das quais se desenrola a acção pastoral.
O estudo da teologia pastoral deve iluminar a aplicação operativa, mediante a dedicação a alguns serviços pastorais que os candidatos ao sacerdócio, com a necessária gradualidade e sempre de harmonia com os outros compromissos formativos, devem exercer: trata-se de «experiências» pastorais que podem confluír num verdadeiro e autêntico “tirocínio pastoral” que se pode prolongar por algum tempo e exige ser observado de maneira metódica.
Mas o estudo e a actividade pastoral remetem para uma fonte interior que a formação terá o cuidado de defender e valorizar: é a comunhão cada vez mais profunda com a caridade pastoral de Jesus, a qual, como constituiu o princípio e a força do seu agir salvífico, assim, graças à efusão do Espírito Santo no sacramento da Ordem, deve constituir o princípio e a força do ministério do presbítero. Trata-se efectivamente de uma formação destinada não apenas a assegurar uma competência pastoral científica e uma habilitação operativa, mas sobretudo a garantir o crescimento de um modo de ser em comunhão com os mesmos sentimentos e comportamentos de Cristo, Bom Pastor: “Tende entre vós os mesmos sentimentos que existiram em Jesus Cristo” (Fil 2, 5).
58. Assim compreendida, a formação pastoral não pode certamente reduzir-se a uma simples aprendizagem, orientada para a familiarização com qualquer técnica pastoral. A proposta educativa do seminário se encarrega de uma verdadeira e autêntica iniciação à sensibilidade de pastor, à assunção consciente e amadurecida das suas responsabilidades, ao hábito interior de avaliar os problemas e de estabelecer as prioridades e meios de solução, sempre na base de claras motivações de fé e segundo as exigências teológicas da própria pastoral.
Através da experiência inicial e gradual no ministério, os futuros sacerdotes poderão ser inseridos na viva tradição pastoral da sua Igreja particular, aprenderão a abrir o horizonte da sua mente e do seu coração à dimensão missionária da vida eclesial, exercitar-se-ão em algumas formas primeiras de colaboração entre eles mesmos e com os presbíteros, para junto dos quais serão enviados. A estes últimos cabe, em união com a proposta do seminário, uma responsabilidade educativa pastoral de muita importância.
Na escolha dos lugares e serviços adaptados ao exercício pastoral, deve reservar-se uma especial atenção à paróquia, célula vital das experiências pastorais sectoriais e especializadas, na qual virão a encontrar-se de fronte aos problemas particulares do seu futuro ministério. Os Padres sinodais ofereceram uma série de exemplos concretos, como as visitas aos doentes; o cuidado pelos emigrados, exilados, nómadas; o zelo da caridade que se traduz em diversas obras sociais. Particularmente escrevem: “é necessário que o presbítero seja testemunha da caridade do próprio Cristo que ‘passou a vida fazendo o bem’ (Act 10,38); ele deve também ser o sinal visível da solicitude da Igreja que é Mãe e Mestra. E dado que hoje o homem é ferido por tantas desgraças, especialmente as pessoas vítimas de pobreza desumana, violência cega e poder abusivo, é preciso que o homem de Deus, bem preparado para toda a espécie de boas obras (cf. 2 Tim 3, 17), reivindique os direitos e a dignidade do homem. Tenha cuidado, porém, em não aderir a falsas ideologias, nem esquecer, ao pretender promover a perfeição, que o mundo é redimido apenas pela cruz de Cristo”.
O conjunto destas e de outras actividades pastorais educa o futuro sacerdote para viver como “serviço” a sua própria missão de “autoridade” na comunidade, afastando-se de qualquer atitude de superioridade ou de exercício de um poder que não seja sempre e só justificado pela caridade pastoral.
Para uma adequada formação é preciso que as diversas experiências dos candidatos ao sacerdócio assumam um claro carácter “ministerial”, ficando intimamente relacionadas com todas as exigências próprias da preparação ao presbiterado (não certamente em prejuízo do estudo), e com referência ao serviço do anúncio da Palavra, do culto e da presidência. Estes serviços podem tornar-se a tradução concreta dos ministérios do Leitorado e Acolitado, e do Diaconado.
59. Dado que a acção pastoral se destina por sua natureza a animar a Igreja que é essencialmente “mistério”, “comunhão” e missão, a formação pastoral deverá conhecer e viver estas dimensões eclesiais no exercício do ministério.
Revela-se fundamental a consciência de que a Igreja é “mistério”, obra divina, fruto do Espírito de Cristo, sinal eficaz da graça, presença da Trindade na comunidade cristã: uma tal consciência, longe de atenuar o sentido de responsabilidade próprio do pastor, torna-lo-á ainda mais convicto de que o crescimento da Igreja é obra gratuita do Espírito e que o seu serviço – confiado pela graça divina à livre responsabilidade humana – é o serviço evangélico do “servo inútil” (cf. Lc 17, 10).
A seguir, a consciência da Igreja como “comunhão” preparará o candidato ao sacerdócio para realizar uma pastoral comunitária, em cordial colaboração com os diversos sujeitos eclesiais: sacerdotes e Bispo, sacerdotes diocesanos e religiosos, sacerdotes e leigos. Mas uma tal colaboração supõe a consciência e a estima dos diversos dons e carismas, das várias vocações e responsabilidades que o Espírito oferece e confia aos membros do Corpo de Cristo; exige um sentido vivo e preciso da própria identidade e da dos outros na Igreja; requer muita confiança, paciência, doçura, capacidade de compreensão e de espera; enraíza-se sobretudo num amor à Igreja maior que o amor a si próprio ou aos grupos a que se pertence. Particularmente importante é preparar os futuros sacerdotes para a colaboração com os leigos. “Estejam prontos – diz o Concílio – a escutar o parecer dos leigos, considerando com interesse fraterno as suas aspirações e aproveitando a sua experiência e competência nos diversos campos da actividade humana, de modo a poder juntamente com eles reconhecer os sinais dos tempos”. Também este Sínodo insistiu na solicitude pastoral pelos leigos: “é preciso que o aluno seja capaz de propor e de introduzir os leigos, nomeadamente os jovens, nas diferentes vocações (ao matrimónio, aos serviços sociais, ao apostolado, aos ministérios e responsabilidades da actividade pastoral, à vida consagrada, à condução da vida política e social, à pesquisa científica, ao ensino). Sobretudo é necessário ensinar e ajudar os leigos na sua vocação de permear e transformar o mundo com a luz do Evangelho, reconhecendo e respeitando a sua função”.
Finalmente, a consciência da Igreja como “comunhão” missionária ajudará o candidato ao sacerdócio a amar e viver a essencial dimensão missionária da Igreja e das diversas actividades pastorais; a estar aberto e disponível para todas as possibilidades hoje oferecidas ao anúncio do Evangelho, sem esquecer o precioso serviço que para tal pode e deve ser prestado pelos meios de comunicação social; a preparar-se para um ministério que lhe pode solicitar a concreta disponibilidade ao Espírito Santo e ao Bispo para ser mandado a pregar o Evangelho para além dos confins da sua terra.
João Paulo II, Pastores dabo vobis, 57-59
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