“É necessário evangelizarmos com o exemplo”, refere o futuro diácono Nelson Pereira
Entrevista ao sítio Igreja Açores
3 de Dezembro de 2016
O jovem de 23 anos, natural de São Mateus, na ilha Terceira, é um dos dois diáconos que o bispo de Angra ordenará no próximo dia 8.
De poucas palavras, ao jeito dos mais reservados, Nelson Pereira é um jovem do seu tempo. Organista litúrgico, um dos poucos em actividade na ilha, conhece o órgão da Sé de Angra como poucos e fala da música como um exemplo da beleza da oração, através da qual o povo expressa a sua súplica e o seu louvor a Deus. Anda nestas coisas desde os 10 anos, quando acolitava na paróquia de São Mateus, em Angra, de onde é natural e aprendeu as primeiras palavras do catecismo. Hoje, com 23 anos, vai levar a palavra de Deus a quem mais precisa. Mas, “mais do que a palavra e a pregação, que são deveras importantes, é necessário evangelizar com o exemplo” garante o jovem que será ordenado no dia 8 de dezembro, dia da Imaculada Conceição. Talvez por isso diga, com todo o entusiasmo, que gostava de “contribuir para uma civilização do amor”. Líder de um grupo de Jovens, dos muitos que existem na ilha, organizou no último ano um ramalhete espiritual dos jovens terceirenses para o Papa Francisco, a quem louva pela coragem de dar a apalavra aos jovens, através do agendamento de um sínodo sobre a relação entre os jovens e a igreja.
“Confesso que às vezes custa-me ver da parte da Igreja, dos seus ministros, mas também dos leigos, algum desapreço pela juventude e pelos seus potenciais. A juventude tem muito para dar, mas temos que falar a sua linguagem, temos que apresentar a mensagem de Jesus de forma a que lhes diga alguma coisa. É necessário que os jovens vejam na Igreja aquele rosto de Jesus bom, alegre e compassivo. Temos ainda muito por fazer neste aspecto!” adianta nesta entrevista ao Sítio Igreja Açores.
Sítio Igreja Açores- Como está a viver este dia?
Nelson Pereira- É um dia de muitas emoções! Em primeiro lugar, a grande alegria deste primeiro passo rumo ao sacerdócio. Costumamos dizer que o Seminário existe para dias como este, ou seja, é a sua finalidade. Também para nós, é a razão de estarmos no Seminário: poder fazer um caminho longo, por vezes difícil, mas muito enriquecedor rumo ao sacerdócio. Este caminho tem os seus pontos de destaque, e este é um deles. Por outro lado, surge também alguma ansiedade pelo facto desta ordenação trazer consigo novas exigências e responsabilidades. Contudo, estou confiante na graça de Deus e em todos os que me acompanham neste caminho vocacional para que possa melhor desempenhar este novo ministério.
Sítio Igreja Açores- Como se prepara uma ordenação diaconal?
Nelson Pereira- A ordenação diaconal não se prepara dias antes, como que se de uma festa se tratasse. A ordenação prepara-se com a entrada no Seminário. Estou convencido que, desde que entramos para o Seminário, começamos, a pouco e pouco, a amadurecer a nossa vocação e, assim, a preparar a nossa ordenação. Neste aspecto, não posso deixar de referir o papel importantíssimo que tem o Seminário. A vida em comunidade, o estudo, a oração e a espiritualidade que é cultivada no Seminário ajudam-nos, sem dúvida alguma, a preparar-nos para o futuro. Resta agora dar continuidade ao trabalho já realizado.
Sítio Igreja Açores- O que é ser diácono?
Nelson Pereira- Ser diácono é estar inteiramente de coração aberto para aqueles que mais precisam. Ao lermos as passagens dos Actos dos Apóstolos, encontramos passagens célebres que nos falam do serviço que os diáconos prestavam nas comunidades. O exemplo destes primeiros diáconos da Igreja inspiram-me e servem-me de modelo para aquilo que eu quero que seja o ministério: amor, serviço e misericórdia.
Sítio Igreja Açores- Todos os batizados são chamados a ser evangelizadores e a espalhar a boa nova. Um diácono tem especiais responsabilidades nessa tarefa. Como é que vai desenvolve-la?
Nelson Pereira- Nos dias de hoje, a evangelização tem uma enorme urgência. É necessário voltar a apresentar a Boa Nova do Evangelho aos homens. Sendo agora ministro da Palavra, como diácono, acabo por ter uma responsabilidade acrescida nesta tarefa. Mas, nos tempos que correm, penso que, mais do que a palavra e a pregação, que são deveras importantes, é necessário evangelizar com o exemplo! Esta é a minha grande linha orientadora pela qual quero seguir. Estou consciente que não é uma tarefa nada fácil, mas o próprio evangelho é exigente. Neste sentido, pretendo estar disponível para qualquer actividade que seja chamado a desempenhar na ajuda a levar a Boa Nova a todos os homens.
Sítio Igreja Açores- Mais do que uma tarefa é uma missão. Como é que se leva o evangelho às pessoas, de forma a fazer com que a palavra as toque e elas sintam que aquela palavra em especial tem algum sentido para a sua vida?
Nelson Pereira- Costumamos dizer que a Palavra de Deus é viva e eficaz. Isto quer dizer, que não se trata de uma palavra morta, de uma história passada ou de uma utopia que só alguns podem alcançar. A Palavra de Deus tem que fazer sentido no hoje da nossa vida, temos que ter a capacidade de a ouvir e puder tirar algo como inspiração para a nossa vida. Como é que isto se faz? A questão é pertinente e difícil de responder. Em primeiro lugar, penso que a nossa pregação deve ser mais incisiva na vida das pessoas. Quer isto dizer que a pregação deve trazer alguma luz, alguma inspiração para as preocupações e angústias do nosso tempo. Em segundo lugar, como já referi, está o exemplo. A Palavra de Deus exige de nós acção, obras concretas. São por estas obras que mostramos ao mundo o projecto de amor que Deus tem para nós. Muitas vezes, o Evangelho leva-se na simplicidade de uma palavra amiga, de um conselho, de um conforto, de um gesto de carinho e de amor, num gesto de caridade, num gesto de misericórdia.
Sítio Igreja Açores- Um jovem diácono terá certamente mais facilidade em pregar e celebrar a palavra junto dos jovens. Que diferenças tem pregar para um publico mais novo, mais exigente, menos profundo, quiçá e até mais desligado?
Nelson Pereira- Nos últimos anos, tenho dedicado grande parte da minha actividade pastoral ao trabalho com os mais jovens. Se há coisa que posso retirar da experiência do trabalho que desenvolvi com eles é a sua ânsia por um mundo melhor. A sociedade em que vivemos não ajuda a este projecto: emaranha-nos num consumismo desenfreado, numa felicidade aparente e numa grande passividade. A nossa missão deve passar por apresentar o caminho de felicidade indicado por Jesus. Tal tarefa, por se tratar de um público especial, nem sempre é fácil. Penso que o facto de sermos jovens, como eles, pode ser um factor de grande importância, porque a nossa pregação pode ter um efeito testemunhal, ou seja, apesar de vivermos na mesma época e sermos da mesma geração, podemos optar por um outro caminho e aderir ao projecto de Cristo.
Sítio Igreja Açores- É jovem; deixou-se tocar por esta vocação. O que é que o diferencia dos jovens do seu tempo, que é um tempo de baixas vocações sacerdotais?
Nelson Pereira- É uma questão difícil. Penso que um grande factor foi deixar-me apaixonar pela Palavra de Deus. É uma palavra exigente, difícil mas ao mesmo tempo bela. E foi sobretudo por querer levar esta beleza a todos. Seguir o caminho de Jesus é emocionante, contagia-nos e faz-nos querer transmitir esta alegria aos outros. É pouco o que nos diferencia dos outros jovens do nosso tempo. Apenas, talvez, esta coragem e audácia de querermos consagrar toda a nossa vida à pessoa de Jesus e tomar como nossa a missão que ele nos deixou.
Sítio Igreja Açores- O Papa marcou uma assembleia sinodal para 2017 sobre a relação dos jovens com a Igreja. Como vê esta abertura de Francisco?
Nelson Pereira- Penso que o Papa tomou a iniciativa na altura certa. Temos que ter a consciência que são os jovens o futuro da humanidade e, consequentemente, o futuro da Igreja. A nossa atenção para com eles deve ser redobrada. É necessário perceber o que afasta hoje os jovens da Igreja. Não alterando nunca a sua mensagem, que é o Evangelho, a Igreja tem que ter a consciência de que a forma como evangeliza tem que estar adaptada aos tempos em que vive. Neste sentido, penso que este Sínodo pode ter um papel fulcral para a evangelização e para os frutos da Igreja. Confesso que às vezes custa-me ver da parte da Igreja, dos seus ministros, mas também dos leigos algum desapreço pela juventude e pelos seus potenciais. A juventude tem muito para dar, mas temos que falar a sua linguagem, temos que apresentar a mensagem de Jesus de forma a que lhes diga alguma coisa. É necessário que os jovens vejam na Igreja aquele rosto de Jesus bom, alegre e compassivo. Temos ainda muito por fazer neste aspecto!
Sítio Igreja Açores- Uma vez mais o Papa surpreende-nos com este apertar de mãos. É este sentido de igreja que tem feito falta para que os próprios cristãos tenham uma outra atitude?
Nelson Pereira- Sem dúvida. O Papa Francisco foi uma bênção para a Igreja. Não querendo desprezar os seus predecessores, o Papa Francisco tem sido exactamente o rosto visível de Jesus, ou seja, tem mostrado em gestos, em acções e em atitudes aquilo que o Evangelho nos exige. É um exemplo a seguir. Mas isso não basta! De nada nos serve as atitudes do Papa se, depois, nas comunidades de base, nas dioceses e paróquias, os leigos e os ministros não imitarem estas atitudes que a Palavra de Deus nos convida. Vejamos que a atitude da sociedade perante a Igreja tem mudado muito, e isto, muito em consequência da figura do Papa. Agora, cabe a todos nós dar continuidade.
Sítio Igreja Açores- Os jovens hoje têm os mesmos problemas e as mesmas ambições dos de anteriores gerações. o que muda é mesmo a semântica. A onde é que a igreja pode chegar para os aconchegar?
Nelson Pereira– A Igreja conta com dois mil anos de história. Isto faz com que tenha um enorme conhecimento e prática destes mesmos problemas e ambições que afectam as gerações de todos os tempos. Assim, a Igreja tem todas as potencialidades para poder chegar aos homens de hoje e ajudá-los no seu caminho de vida. Penso que esta saída em missão, o ir às periferias que o Papa Francisco nos convida é uma tentativa de dar resposta exactamente àqueles que anseiam por um sentido na sua vida.
Sítio Igreja Açores- Ao contrário de outros jovens, quando acabar a formação, terá um lugar para ser aquilo que escolheu. Que esperança é que um padre jovem pode trazer aos da sua idade?
Nelson Pereira- É engraçado que em tom de brincadeira, muitos nos dizem: «os padres estão muito bem pois, têm sempre emprego garantido». Não deixa de ser verdade. Mas esta garantia não é sinónimo de sucesso e felicidade. O lugar que o padre é chamado a ter na sociedade de hoje é difícil e muito exigente. Mas a esperança que podemos dar aos nossos jovens é que devemos lutar sempre pelos nossos sonhos, por aquilo que nos faz felizes. Qualquer escolha de vida não é fácil, é sempre exigente. Mas importa ser perseverante e confiar no Senhor.
Sítio Igreja Açores- Esta ordenação é a antecâmara do grande dia da ordenação presbiteral. O que é que acha que lhe vai tirar o sono?
Nelson Pereira- O que me tira o sono é a exigência da missão que a Igreja nos pede. Ao chegar ao fim da caminhada de Seminário, quase que surge um desejo de querer esperar mais um pouco. É o nervosismo miudinho de abraçarmos totalmente a nossa missão. Contudo, conforta-me perceber que a nossa vocação é uma contínua construção e crescimento e o Senhor Jesus é o meu grande guia e não me deixará desamparado. Mas Ele é também exigente e, por isso, obriga a que eu me desprenda de tudo aquilo que impossibilite a realização da verdadeira missão que a Igreja me pede. Estou confiante em Deus e espero corresponder o melhor que possa a esta nova missão.
Sítio Igreja Açores- Um desejo inconfessável?…
Nelson Pereira- Posso parecer ambicioso, mas desejava poder contribuir, na minha pobreza e fragilidade, para uma Civilização do Amor. O mundo é um grande oceano. Gostava de ser uma pequena gota que contribuísse para a mudança. É verdade que não passo de uma gota, mas sem ela, o oceano seria menos rico.