O segundo dia das III Jornadas de Teologia dos Açores, promovidas pelo Seminário de Angra, na ilha Terceira, tiveram como ponto central a abordagem da Arte através da Estética filosófica e teológica.
Para o Professor da Universidade Católica Portuguesa, em Lisboa, Pe. Alexandre Palma, o Belo exigirá sempre “uma conversão dos sentidos” o que pressupõe, por outro lado, a sua evangelização.
“Precisamos de aprender a ver, a ouvir, a sentir e a pensar” pois “se o homem é capaz de receber a Deus também será capaz de receber a Beleza”. Por isso, uma teologia da estética seria “um exercício de hermenêutica teológica desta faculdade antropológica e assim capaz de perscrutar o belo em si e naquilo que o rodeia”
“No fundo uma maior incorporação da estética na vida eclesial não se pode limitar a mostrar o belo mas exige uma conversão dos sentidos pois precisamos de aprender a ver a ouvir e a tocar”, disse.
O professor de Teologia lembra que a estética cristã é exigente e recuperando um pouco a ideia deixada por Bento XVI aos artistas em Portugal, em 2010, – fazei coisas belas mas sobretudo tornai as vossas vidas em lugares de beleza- desafiou a igreja a promover um pensamento estético-teológico assente numa vivência concreta. E questionou se o “neo-apelo eclesial ao belo e à estética irá tão longe como a estética cristã parece exigir”. Questionou, em particular, o risco de uma “instrumentalização do belo que se enaltece nos discursos de principio” como por exemplo a gratuidade do belo.
“O belo é bom e dá-se gratuitamente; não tem agenda”. Ou seja, “ O recurso à estética não poderá atraiçoar essa gratuidade do que é Belo?”
Por outro lado, referiu a tentação de uma folclorização do religioso, isto é, uma redução da revelância do Cristianismo a um elemento alegórico ou decorativo do espaço público, o que no limite, alimentaria ficticiamente a ideia da relevância e importância do Cristianismo na esfera pública quando, efetivamente apenas teria interesse como memória do passado, quase do domínio de uma expressão etnográfica.
O Teólogo que procurou explicitar o que se entende por uma estética teológica- em vez de pensar teologicamente o belo produzido ou experimentado, ela procura discernir o que seja o belo teologicamente entendido, o que no horizonte cristão tende a identificar-se com o belo revelado- afirmou que “Para quem crê, Deus é beleza e por isso é essa beleza que determina o belo teológico. É isto no essencial o que se entende por estética teológica. Isto é, em vez de serem as nossas categorias estéticas a interpretar a revelação em chave de belo é a revelação de Deus que diz o que é o belo”.
“Só esta abordagem permitirá que se olhem os momentos designados de “anti estéticos” da grande narrativa e experiência cristãs de outro modo”, disse. E elegeu como grande exemplo a Cruz.
“Só uma estética teológica pôde resgatar esse instrumento de violência e esse símbolo de condenação do inocente e transforma-lo num lugar estético. O belo que nele o Cristianismo achou é já o belo humano transfigurado pelo belo divino”.
A revelação divina reensina, por isso, ao homem o que é o belo, caso contrário não poderia a Cruz ser proposta como expressão de beleza, disse ainda. Aliás, na forma como foi superando uma estética meramente realista, a arte “foi uma intérprete competente desta transfiguração do horrível humano da cruz no novo belo dado por Deus”.
Para Alexandre Palma, a Teologia cristã rege-se para além do principio da encarnação pelo da ressurreição e nesta lógica quer o belo quer o feio, humanamente falando, tem de passar este crivo para ser transfigurado no belo divino.
“O belo aprende-se em Jesus pois ele é belo de Deus que irrompe na forma humana, na forma criada. Jesus é a grande lição de Deus do que é o belo; sendo o supremo critério de beleza de uma estética cristã”, afirmou ainda.
A partir do Evangelho reaprendemos as categorias estéticas, explicitou, isto é, aprendemos a ver o belo de outra maneira mas também o feio, como no caso do episódio do leproso.
“Uma igreja reconciliada com a estética será uma igreja mais em consonância com este belo teológico, porque o cristiano nasceu como experiência e não como doutrina ou moral”.
Já o primeiro orador da noite, Pe. Cipriano Pacheco, abordou a questão da “Estética e a mística em São Tomás de Aquino”.
O professor de Filosofia do Seminário Episcopal de Angra desenvolveu uma leitura acerca das categorias do bem e do belo em Tomás de Aquino, lembrando que Deus é fonte e origem da beleza em todas as criaturas e o ser humano, dotado de capacidade para distinguir o bem, “tende naturalmente para ele”, rejeitando a sua ausência.
“Para São Tomás de Aquino o bem é o que toda a criatura deseja”, afirmou relacionando o bem com o belo. O Pe. Cipriano Pacheco destacou o facto de o “belo” ser, segundo São Tomás de Aquino, “uma característica do bem”.
“O belo é idêntico ao bem e por isso tal como toda a criatura deseja o bem também deseja o belo, que assume um valor teológico” já que os “dons de Deus concedem beleza às coisas”. Porém, ao contrário do Bem, o belo só se refere aos sentidos (faculdade cognitiva)- visão, audição – e à consciência das coisas (que inclui outros sentidos: o tato, o olfato ou o gosto).
Portanto, conclui o sacerdote, lendo o pensamento de Aquino, a “beleza só se refere aos sentidos que têm maior valor cognitivo” e que servem a Razão. O que agrada na beleza não é o objeto em si, mas a apreensão desse objeto.
O Pe. Cipriano Pacheco destacou, ainda, que São Tomás de Aquino atribui ao belo três características essenciais: a integridade da perfeição, isto é, tudo o que é incompleto é feio; a proporção das partes e a clareza ou resplendor, uma caraterística que se aplica não só às coisas sensíveis (como a arte em geral) mas também às coisas do espírito.
Por isso, “a felicidade perfeita do ser humano só pode ser encontrada em Deus” afirmou o Pe. Cipriano Pacheco a partir de uma leitura da dimensão mística da fé em São Tomás de Aquino.
“Conhecer a Deus é contemplá-lo”, prossegue o sacerdote a partir do pensamento de Aquino destacando ainda que, para este vulto do Cristianismo, a “Teologia antes de ser o discurso sobre Deus é a própria palavra de Deus”, uma palavra “que leva o homem a uma sede infinita de conhecer e contemplar o Criador”. Só que Aquino vai, “ainda um pouco mais longe” alerta o professor de Filosofia do Seminário Episcopal de Angra destacando que “este desejo de contemplação é acompanhado de um desejo de imitação de Deus”.