A história de Jacob

Há homens que são como lugares mal situados.

São aqueles que crescem sob tendas seguras, mas que precisam partir para se encontrarem.

Foi assim com ele. Havia uma casa, um nome herdado, um lugar definido. Mas, sobretudo, havia um desejo que não cabia ali. Um apelo difuso, disforme, que lhe dava a sensação de poder cheirar a terra molhada antes mesmo de o orvalho cair. Até que, um dia, sem grandes dramatismos, aventurou-se. Não porque soubesse para onde ia, mas porque ficar se tornara uma pele que já não lhe pertencia.

Nessa andança, descobriu que os trajetos instruem mais que os mapas; que o sol quotidiano acaba por abrasar a derme; que a frieza das noites enrijece os ossos. Que há momentos em que o tempo parece estender-se doloroso e interminável, como se quisesse esmagar a alma, e outros em que ele abranda e devolve o reflexo do eterno nas coisas simples.

Nessas venturas, amou aquilo que era belo e prometia plenitude. E despertou, não poucas vezes, com o ónus daquilo que não escolhera, mas que lhe fora imposto pela sua condição. Os dias nem sempre se compõem como verso; a vida nem sempre se exibe como poema — muitas vezes é labor mudo, que consome o tempo e molda o ser.

A casa de Absalão, embora lhe parecesse hirta e sisuda, tinha uma lógica própria. Mais tarde, viria a compreender que os lugares que parecem intransigentes não nos encerram — antes, ensinam firmeza, testam coragem e nos provocam a enfrentar os rumos que o fado ainda nos reserva.

Contudo, há noites que não permitem fugas; momentos em que o mundo inteiro se abriga e sobra apenas um homem consigo mesmo — um corpo fatigado, uma vontade ferida, expectativas fracassadas.Nessa noite, houve luta. Não contra alguém, mas contra algo que não se deixa nomear. Uma peleja sem sentenças, feita de estorvos e obstinações, de agarrar e não largar, como quem sabe que, se soltar, perde. Não era luta para triunfar; era luta para não expirar.

E então veio o golpe — uma coxa fora do seu lugar. Um deslocamento quase impercetível, mas irrevogável. O corpo aprendeu um novo limite. A alma perdeu a ilusão de controlo. Ao despertar, disse: «Na verdade, o Senhor está neste lugar, e eu não o sabia».

Quando chegou a aurora, o mundo era o mesmo. Mas ele não.

«Qual é o teu nome?» — «Jacob
«De nenhuma sorte te chamarás Jacob, mas Israel, porque lutaste com Deus e com os homens...»

Tempo depois, reconheceu o mesmo padrão na própria vida. Também ele deixara uma terra banhada pelo mar e chegara a um lugar de arquitetura rígida, onde o horizonte se reduzia a muros e o céu se recortava entre telhados. Houve dias em que a beleza só podia ser acolhida em reflexos, fulgores que invadiam a dureza do edifício. Durante muito tempo, acreditou que ali nunca seria casa.

Hoje, quando olha para trás, sabe: o combate nunca foi contra o lugar. Foi contra a própria imagem de si. Contra a vontade de ser inteiro sem ser moldado. Contra a tentação de fugir antes de ser transformado. Carrega ainda a ferida. Não se vê, mas sente-se. Manifesta-se no modo de andar pela vida, mais atento ao peso das coisas, menos ansioso por atalhos. Não é marca de derrota. É sinal de encontro.

Porque há lugares que só se revelam depois da luta.
E há homens que só recebem um nome verdadeiro depois de serem quebrados.
E, se hoje caminha, é coxeando —
mas é assim que se aprende a não fugir da própria história.

 

Elson Medeiros

Scroll to Top