O mais jovem seminarista da diocese de Angra deixa pistas sobre o seu caminho vocacional
António Santos, tem 19 anos, é natural das Furnas, na ilha de São Miguel, e é o membro mais novo do Seminário Episcopal de Angra. É, de resto, um dos três seminaristas que a paróquia de Sant´Ána deu ao Seminário nos últimos anos. Está no Seminário há dois anos e frequenta o primeiro ano de Filosofia. A par dos estudos também faz parte do Coro Tibério Franco Terra Chã, da ilha Terceira. Tem atualmente como atividade pastoral os trabalhos da paróquia de São Salvador Sé.
Nesta 53ª Semana da oração pelas vocações, o Sítio Igreja Açores foi perceber como é o seu caminho e discernimento vocacional.
Sítio Igreja Açores- Estamos na semana da oração pelas vocações. O que é que o levou ao Seminário?
António Santos- Ao longo da minha vida de crente, percebi que Jesus quer mais alguma coisa de mim. Ele apresentou-me um caminho de felicidade, que passa muito pela doação, chamada vocação e particularidade ao serviço da igreja. Um serviço alegre e de completa doação, não sendo obrigado e contra vontade, mas sempre unido de coração, ao Pastor e às ovelhas.
Cada vez que desenvolvia trabalhos para Cristo e para a sua Igreja, sentia-me cada vez mais realizado e, isso, faz-me recordar muito, aquelas palavras de santa Teresa de Jesus: “São felizes as vidas que se consumirem no serviço à Igreja”. Para além disso, a família foi um fator muito importante: a família que reza e que ensina a rezar, sabe muito bem o conceito de igreja doméstica. À família, junta-se o nosso pai espiritual: o padre. A minha terra natal, sempre teve a graça de ter padres com corações excelentes e qualidades à vista de todos, por exemplo, o meu pároco Ricardo Pimentel, tem sido uma das pessoas mais importantes, para o meu discernimento vocacional.
Sítio Igreja Açores- Na mensagem para esta semana o Papa e o nosso bispo apelam aos sacerdotes e às famílias que se empenhem no despertar para as vocações. Alguma falta de compromisso de uns e de outros é, de facto, a causa, desta ausência de vocações consagradas?
António Santos- Apesar de Cristo chamar todos à felicidade, através da vocação, nós somos responsáveis por ajudar cada vocacionado a discernir a sua própria vocação e, saber, principalmente, reconhecer cada uma. Então, quando se fala de vocações, pensa-se logo na sacerdotal, porém os leigos, muitas vezes, esquecem-se da vocação religiosa, matrimonial e até da sua própria vocação laical: temos necessidade de relembrar, que existem várias vocações!
Na vida do vocacionado, o compromisso vai se estendendo a várias pessoas. A família é a primeira responsável por tentar semear Cristo no coração dos seus filhos. Se a família não der a conhecer aos seus filhos o altar, eles nunca irão ganhar gosto pela Igreja. Com o passar do tempo, o jovem vai começar a passar a prova do martírio da humilhação, como nos ensinava o papa emérito Bento XVI. Muitas crianças e jovens são alvo de chacota por parte dos amigos, porque estes troçam da fé deles e dos seus trabalhos: cabe a ele continuar a seguir Cristo, e ser uma luz da fé. E, a nível transversal, surge o papel do padre. Se o padre não acompanha, não dá o bom conselho e o bom exemplo, não haverá grandes crescimentos. E junto do padre-pastor, está sempre um bom grupo de acólitos: realço a necessidade destes grupos, pois são berços de vocações para a igreja. Ainda aos jovens chamados à felicidade, está incumbido o processo da dúvida que renova, e do encontro da sua própria verdade.
Mas, centrando-me um pouco mais na questão, poderei ter que afirmar que todo o compromisso tem o seu fruto, pois toda caminhada tem o seu começo e o seu termo. Se não houver compromisso, nunca poderá haver alguma novidade. Todos estamos envolvidos na responsabilidade da felicidade de cada vocacionado.
Sítio Igreja Açores- A igreja pede a cada cristão que encontre a sua vocação, qualquer que ela seja. Hoje faltam vocações religiosas, mas o matrimonio também está em crise. É um sinal dos tempos ou uma crise passageira?
António Santos- Pela lógica, como já há poucos que se aproximam do altar, assim também haverá pouca frequência aos restantes sacramentos, mas bem sabemos que a questão é muito mais profunda do que isso. E o sacramento do matrimónio é dos que mais podemos debater e falar. A minha vida é pequena, mas já entendi que existem duas opiniões extremas acerca do casamento: aqueles que querem casar mas nem sabem bem o que é, e o que o próprio sacramento e ritos significam e aqueles que têm uma aversão ao matrimónio, graças à sua negatividade e à sua falta de esperança no amor e no perdão… Mas deve-se estabelecer um equilíbrio entre estas duas posições antagónicas: realmente é bom querer recorrer ao sacramento do matrimónio, mas conhecendo bem o compromisso, mesmo a nível sacramental, que se está a assumir e ter consciência que os momentos menos bons existem, mas também existem os bons, e nunca esquecer que o amor é sempre maior do que o ódio e a indiferença. A família Cristã é aquela que coloca Cristo no seu lar, e que se perdoa mutuamente, tendo sempre consciência que cada um tem qualidades e defeitos. Tudo isto depende da adesão ao compromisso que um casal quer assumir, e não ter medo!
Sítio Igreja Açores- De que forma podemos ultrapassar esta indisponibilidade para o compromisso?
António Santos- Com a nossa própria alegria! O cristão é alegre, porque o Jesus Ressuscitado, está com ele e guia a sua vida, a sua família, os seus trabalhos e compromissos: Ele está sempre connosco, nunca provaremos a solidão! As pessoas, que não estão no seio eclesial, só irão perceber que, a igreja e a vida vocacionada comprometida são coisas boas, quando estivermos felizes, e elas como buscam a felicidade, estão atentas aos nossos rostos, às nossas vidas! No meio de tantos pensamentos negativos, no meio de tantos que caem na tristeza e na frieza do mundo, o Cristão é convidado a ser alegre, positivo e esperançoso, e levar isso aos outros: Jesus refere que os seus discípulos são a luz no meio das trevas do mudo: “Vós sois a luz do mundo. (…) Assim brilhe a vossa luz diante dos homens, de modo que, vendo as vossas boas obras, glorifiquem o vosso Pai, que está no Céu” MT 5, 14, 16.
Sítio Igreja Açores- Da sua experiência, que mensagem pode deixar a um jovem da sua idade ou mais novo para ingressar numa caminhada de discernimento no Seminário?
António Santos- O seminário é a ponte para a vida sacerdotal, e, à medida que atravessamos a ponte, começamos a ver cada vez mais perto essa vida. A dúvida é o que nos move nessa ponte, pois ela é o que nos faz caminhar em busca de algo. Ao contrário do que muitos pensam, ela é boa e renovadora para os nossos pensamentos. Se a água parar muito tempo em um sítio, sem ser renovada, chega a uma altura que se torna suja, e imprópria para o seu fim… Assim também são os nossos pensamentos, se estes estagnam, ao fim de um tempo serão apenas adornos mentais e não as nossas convicções e ideias. A vocação, tal como a fé, é um conjunto de dúvidas e não de certezas. Para além disso, as dúvidas, bem como o discernimento vocacional só terminam na hora da morte, porque até morrer, Deus sempre nos dá a liberdade e o poder de escolha. Colocar dúvidas e ser um estímulo para os outros para a dúvida é algo muito importante! É verdade que o seminarista, e depois o padre, deixa muita coisa para trás, deixa família, amigos, a sua casa… Mas perdeu para ganhar ainda mais, pelo menos essa é a percepção que tenho desde que estou cá… Ganhei muita família e amigos no seminário e na Terceira. O Seminário tornou-se a minha casa, e estou muito realizado, muito feliz. Este caminho não dá espaço para pessoas obrigadas, porque estamos muito tempo em oração e estudo, exigindo muito da nossa parte. Estuda-se e trabalha-se muito? Claro. Não é com uma pedra que vais fazer uma torre, mas com muitas. Mas o que segura tudo isso? O alimento da fé, da vocação, da igreja: a oração com Deus, para entender e estar ligado à vontade de Deus e a imitação de Cristo.
Sítio Igreja Açores- Quais são, por assim dizer, a maior virtude e o pior defeito deste compromisso?
António Santos- Este compromisso é muito positivo, mas até a rosa tem o seu espinho: uma das minhas dificuldades, apesar de estar cá já há dois anos, ainda tem sido renunciar à minha própria família e à minha terra… Torna-se muito difícil, e é nestas viagens entre a ilha de São Miguel e ilha Terceira, que entendo o quão arquipélago nós somos. Mas, como dizia atrás, para ganhar é preciso perder, e assim Cristo recordava que aquele que não é capaz de renunciar a si mesmo, tomar a sua cruz e percorrer os seus caminhos, não era digno Dele. O que me faz ainda mover e fazer este pequeno sacrifício da separação é, realmente, Deus, o seu amor e a minha felicidade. E na continuação desta minha partilha, surge como virtude, a auto-realização. Vir para o Seminário, foi das coisas melhores que fiz na vida, e não me arrependo: sou muito feliz aqui. Tenho um contacto muito forte com Deus, através do estudo e da oração, e com as pessoas que são muito queridas e acolhedoras para comigo.Que Deus nos abençoe com santas e felizes vocações.