O nosso Seminário Episcopal de Angra iniciou o novo ano letivo com algumas novidades, nomeadamente, cinco novos alunos e novos professores.
O presente ano académico, conta com 19 alunos: um seminarista da ilha das Flores, um da ilha do Pico, um da ilha de São Jorge, um da ilha Terceira e quinze da ilha de São Miguel.
Os seminaristas Jacob Vasconcelos e Nelson Pereira, naturais das ilhas das Flores e da Terceira, respetivamente, são finalistas do sexénio Filosófico-Teológico e serão ordenados já no próximo ano 2017.
Outra novidade deste ano letivo foi o facto dos alunos virem mais cedo, concluindo o ensino secundário em Angra do Heroísmo, possibilitando, deste modo um acompanhamento no discernimento vocacional a partir de uma idade mais precoce, como é o caso de um dos novos seminaristas, que é natural de Santo Antão, ilha de São Jorge.
O QUE LEVA UM JOVEM A IR PARA O SEMINÁRIO?
A esta questão, o nosso grupo de jovens procurou resposta junto de um jovem “caloiro” do Seminário de Angra, que se disponibilizou a nos contar a sua história vocacional.
Partindo do princípio que a frase do Monsenhor Jonas Abib nos transmite, somos, desde sempre, seres vocacionados e com um destino traçado por Deus.
Para começar esta história, e estando nós ainda no início do ano letivo, gostaria de começar por me apresentar.
O meu nome é Gonçalo Miguel da Silva Brum, venho de terras Picarotas, mais concretamente, da Freguesia de Nossa Senhora da Piedade, no concelho das Lajes do Pico. Nasci a 31 de Agosto de 1998 e fui batizado no Dia de Natal do mesmo ano – dia em que entrei na comunidade Paroquial da Piedade.
A minha mãe conta-me que, quando era pequenino, dizia que queria ser muita coisa…polícia, professor, médico, e ainda outras, mas, entre todas elas, estava a opção de ser padre. Tantas missas que “celebrei” com os meus amigos em casa, na escola e nas ermidas após as missas das festas locais. Sempre que se brincava com missas, ou algo que implicasse o religioso, o padre era eu.
Nasci numa família católica, mas muito pouco praticante – esta é uma das razões pelas quais, hoje, a minha mãe diz que isto apenas pode ser obra divina que me chama para a igreja – mas fui sempre à missa desde pequenino com os meus vizinhos “de porta” a meu pedido, porque queria e gostava de ir à missa. Lembro-me de várias imagens da altura: como era muito pequeno, e ficávamos sempre no fundo da igreja, ouvia o grupo coral e nunca conseguia ver as pessoas que estavam a cantar e, então, começava a imaginar o lugar onde elas estariam que, na altura, a minha imaginação lançava-me para a parte de trás do altar de Nossa Senhora da Piedade, quando, na verdade, o coro estava bem visível junto ao altar direito da Igreja, o de Nossa Senhora do Rosário.
Fui uma criança normal e igual a todas as outras da minha terra. Frequentei a escola pré-escolar e pré-primária na Escola da Piedade e, posteriormente, o ensino básico e secundário na Escola Básica e Secundária das Lajes do Pico, na qual fui presidente da Associação de Estudantes, no ano letivo de 2014/2015.
Frequentei a catequese na paróquia, fiz a minha primeira comunhão, a comunhão solene e o Sacramento da Confirmação.
No ano em que fundaram o Agrupamento de Escuteiros, também me inseri na grande família dos Escutas Portugueses. No ano de 2013, realizei um grande sonho: Juntei-me às crianças da catequese que aceitaram o meu desafio e formámos o Coro Infantil Nossa Senhora da Piedade. Este foi um coro que tinha como objetivo animar as Eucaristias Dominicais, uma vez que o Grupo Coral Paroquial apenas animava nas datas principais do Calendário Religioso.
No entanto, e perante muitos convites, o coro expandiu-se para reportórios de concerto e das mais variadas missas de solenidades e festas da paróquia e fora dela.
A meio do ano de 2015, o grupo coral paroquial terminou funções e o coro infantil assumiu a animação da liturgia durante todo o ano pastoral, festividades e concertos que surgiram.
Mas foquemo-nos então na minha opção de vir para o seminário e recuemos ao ano de 2007.
Tudo começou – por incrível que pareça – com um castigo.
A certo dia, estávamos na catequese, 3º ano, o meu comportamento não foi o mais exemplar e a catequista castigou-me.
O castigo foi ir, neste dia acolitar à missa, para o lado do senhor padre – na altura, tínhamos muito medo e vergonha de estar na capela-mor – e sendo um castigo, não pude recusar e lá fui de acólito pela primeira vez. A verdade é que depois disso não quis outra coisa, tanto é que até guerreávamos uns com os outros para ir servir o altar.
E foi assim que começou a minha ligação mais direta com a Igreja Paroquial.
Uns anos mais tarde, e com o forte incentivo do pároco da altura, o Pe. João da Ponte, comecei a tocar órgão nas missas em que o grupo coral não cantava – cheguei a tocar um Tríduo Pascal completo acompanhado pelo Pe. João no canto.
Durante este tempo, fui sempre interpelado pelo pároco e, principalmente, pelos paroquianos. Lembro-me que chegava a chatear-me com alguns porque estavam sempre a insistir na ideia de ser padre e eu negava com todas as forças que tinha.
O Pe. João da Ponte foi o pároco que mais me marcou, sem dúvida. Aquela humidade, bondade, sorriso e alegria contagiara-me de tal forma que via nele o padre perfeito, o meu ideal de padre e a verdade é que a ideia de ser padre estava sempre presente no meu pensamento, mas negava sempre e dizia que não era vida para mim.
Quando entrei para o ensino básico, ingressei no Curso Básico de Música que termina no V grau de conservatório. Iniciei o curso com dois anos de violino, mas arrependi-me e repeti 5 anos com piano. Nesta altura, os conhecimentos musicais aumentaram significativamente, uma vez que eu não sabia nada de teoria musical. Com este curso, o bichinho da música aumentou e comecei a ponderar seguir uma carreira musical, mesmo sabendo dos riscos que ela nos traz.
Entretanto, surgiu, tal como já referi, o Coro Infantil, que agora, infelizmente, estará parado pois não consegui ninguém que me quisesse substituir. Este coro permitiu-me estar com muitas crianças ao mesmo tempo e saber como lidar com elas. Outro aspeto muito importante foi, sem dúvida, o enriquecimento musical que a experiência me trouxe.
Na entrada para o secundário, deparei-me com uma escolha que foi muito difícil para mim: a escolha do curso. Foi muito difícil porque estava muito confuso ao que fazer à minha vida e, por isso, não sabia qual o melhor caminho a tomar. Tinha algumas possibilidades (conhecidas) que eram a música, a arquitetura ou então o ensino básico e a possibilidade (não conhecida), o seminário.
Com toda a pressão e com a necessidade urgente em tomar uma decisão, optei por seguir arquitetura e segui o curso de Artes Visuais.
Devo dizer que não me arrependo nada da escolha que fiz. Hoje, atrevo-me a dizer que esta opção teve a mão de Deus. Foi um “contra a parede”, ou seja, foi preciso seguir aquele caminho para chegar ao fim e perceber que não era nada daquilo que queria para mim.
Mais ou menos a meio de secundário, surgiu uma amizade muito improvável com o, hoje, Pe. Pedro Lima, que, na altura, era Seminarista. A amizade surgiu por motivos completamente alheios ao facto dele estar no seminário. Surgiu por mero acaso num acampamento de Escuteiros, na Ilha de São Jorge – o Jamboree. Logo no inicio, ele colocava-me a questão de vir para a Terceira e também sempre lhe dizia que não, afincadamente.
Entretanto a amizade foi crescendo e fui conhecendo a vida num seminário mesmo sem estar a viver em nenhum. Mesmo sendo um mistério, já via a vida daquele rapaz como sendo o meu futuro! Entretanto, terminei o secundário e já com a certeza absoluta de que a arquitetura estava de lado, colocava-se outra vez um grande dilema: a escolha do caminho a seguir após o secundário.
Confesso que foi uma época em que me sentia estranho porque tinha toda a gente “em cima de mim” sempre a querer saber qual a minha escolha. Sentia que havia uma grande espectativa em cima de mim e isso deixava-me receoso com a minha opção. Mas esta tinha de ser tomada e o pavio estava cada vez mais curto.
Outra pessoa que muito me marcou foi o meu atual pároco, o Pe. Paulo Baptista que embora não o considere como o exemplo perfeito a nível pastoral, é o exemplo perfeito ao nível da amizade e da direção espiritual. Foi alguém que me ajudou muito a refletir! Nunca me impos rigorosamente nada… Apenas me dava pistas e esclarecimentos às minhas dúvidas.
Secundário terminado, exames concluídos, avaliações na pauta e eu sem saber o que fazer à minha vida!
A verdade é que o tempo estava a chegar e tinha de tomar uma decisão.
Ora, no dia 26 de Junho, na Eucaristia Dominical, o Pe. Paulo Batista quando iniciou a homilia, chamou por mim até junto do ambão – fiquei tão envergonhado – e começou a fazer-me perguntas perante a assembleia da minha terra.
Esta homilia serviu, basicamente, para dar uma espécie de anúncio de que eu estava a ponderar vir para o seminário em Setembro. Nesse mesmo dia, decorreu na Ermida do Cais do Galego (também na paróquia da Piedade), a missa da festa em honra de São João Baptista e lá voltou a falar do mesmo assunto. Foi tão bom ver após ambas as celebrações o carinho das pessoas… Senti-me motivadíssimo naquele dia, estava de coração cheio e aberto a Cristo.
Lá em casa, eu diria que sempre souberam qual era a minha opção, principalmente a minha mãe, embora eu negasse sempre. Mas, lembro-me ainda do dia em que fui confrontado com isto uma vez que estava já a terminar os estudos e precisava de tomar um rumo para a minha vida. A minha resposta foi que não sabia ainda muito bem o que fazer, mas lá me falaram no seminário e que sabiam perfeitamente que eu estaria a pensar nisso.
A verdade é que estava mesmo e cada vez mais afincadamente!
Também tive muitos amigos que me ajudaram a refletir com os seus conselhos, conversas e brincadeiras, principalmente, amigos colegas de escola.
Eu diria que a partir do anúncio feito no dia 26, comecei a encarar a ideia como mais formalizada e mais prestes a acontecer. Comecei então, junto do meu pároco, a resolver toda a burocracia que precisava para entrar para o Seminário de Angra, desde a carta de recomendação, certidão de batismo, certificado académico, etc…
Diretamente com os meus pais, tratei de tudo o resto, desde a preparação das malas, da viagem, etc…
Hoje, no seminário, ainda não sei se esta foi a minha melhor escolha, mas estou aqui de espírito livre e com a certeza de que se esta não for a minha verdadeira vocação, tenho as portas abertas em casa para me receber.
De uma coisa eu tenho a certeza, se estou aqui, devo-o ao Pe. João da Ponte, ao agora Pe. Pedro Lima, ao meu pároco Pe. Paulo Baptista, aos muitos paroquianos que sempre me acariciaram e fizeram ver que, talvez, este seria o caminho certo para mim, aos meus amigos, à minha família, e ao meu melhor Amigo, Jesus.
“Deus, quando te criou, tinha um propósito definido para tua vida.”