Formação humana

A formação humana, fundamento de toda a formação sacerdotal

43. “Sem uma oportuna formação humana, toda a formação sacerdotal ficaria privada do seu necessário fundamento”. Esta afirmação dos Padres sinodais exprime não apenas um dado, quotidianamente sugerido pela razão e confirmado pela experiência, mas também uma exigência que encontra a sua motivação mais profunda e específica na própria natureza do presbítero e do seu ministério. Com efeito, chamado a ser “imagem viva de Jesus Cristo Cabeça e Pastor da Igreja, ele deve procurar reflectir em si mesmo, na medida do possível, aquela perfeição humana que resplandece no Filho de Deus feito homem e que transparece com particular eficácia nas suas atitudes com os outros, tal como os evangelistas as apresentam. O ministério do sacerdote é, sim, o de anunciar a Palavra, de celebrar os sacramento, conduzir na caridade a comunidade cristã, “em nome e na pessoa de Cristo”, mas isto, dirigindo-se sempre a homens concretos: “todo o sumo sacerdote, tomado de entre os homens, é constituído em favor dos homens nas coisas que dizem respeito a Deus” (Heb 5,1). Por isso mesmo, a formação humana dos padres revela a sua particular importância relativamente aos destinatários da sua missão: precisamente para que o seu ministério seja humanamente mais credível e aceitável, é necessário que ele modele a sua personalidade humana de modo a torná-la ponte e não obstáculo para os outros, no encontro com Jesus Cristo Redentor do homem; é preciso que, a exemplo de Jesus, que “sabia o que existe no interior de cada homem” (Jo 2, 25; cf. 8, 3-11), o sacerdote seja capaz de conhecer em profundidade a alma humana, intuir dificuldades e problemas, facilitar o encontro e o diálogo, obter confiança e colaboração, exprimir juízos serenos e objectivos.

Portanto, não só para uma justa e indispensável maturação e realização de si mesmo, mas também com vista ao ministério, os futuros presbíteros devem cultivar uma série de qualidades humanas necessárias à construção de personalidades equilibradas, fortes e livres, capazes de comportar o peso das responsabilidades pastorais. É precisa, pois, a educação para o amor à verdade, a lealdade, o respeito por cada pessoa, o sentido da justiça, a fidelidade à palavra dada, a verdadeira compaixão, a coerência, e, particularmente, para o equilíbrio de juízos e comportamentos. Um programa simples e empenhativo para esta formação humana é proposto pelo apóstolo Paulo aos Filipenses: “Tudo o que é verdadeiro, nobre, justo, puro, amável, honrado, o que é virtude e digno de louvor, é o que deveis ter no pensamento” (Fil 4, 8). É interessante notar como Paulo, precisamente nestas qualidades profundamente humanas, se apresente a si próprio como modelo para os seus fiéis: “O que aprendestes – prossegue imediatamente – recebestes, escutastes e vistes em mim, é o que deveis fazer” (Fil 4, 9).

De particular importância, se afigura a capacidade de relacionamento com os outros, elemento verdadeiramente essencial para quem é chamado a ser responsável por uma comunidade e a ser “homem de comunhão”. Isto exige que o sacerdote não seja arrogante nem briguento mas afável, hospitaleiro, sincero nas palavras e no coração, prudente e discreto, generoso e disponível para o serviço, capaz de oferecer pessoalmente e de suscitar em todos relações francas e fraternas, pronto a compreender, perdoar e consolar (cf. também 1 Tim 3, 1-5; Tit 1, 7-9). A humanidade de hoje, muitas vezes condenada a situações de massificação e de solidão, nomeadamente nas grandes concentrações urbanas, torna-se cada vez mais sensível ao valor da comunhão: este constitui hoje um dos sinais mais eloquentes e uma das vias mais eficazes para a mensagem evangélica.

Neste contexto se insere, como momento qualificante e decisivo, a formação do candidato ao sacerdócio para uma maturidade afectiva, resultante de uma educação para o amor verdadeiro e responsável.

44. A maturidade afectiva supõe a consciência do lugar central do amor na existência humana. Na realidade, como escrevi na Encíclica Redemptor hominis, “o homem não pode viver sem amor. Permanece para si mesmo um ser incompreensível, a sua vida fica privada de sentido, se não lhe for revelado o amor, se não se encontra com o amor, se não o experimenta e não o faz seu, se não participa nele vivamente”.

Trata-se de um amor que compromete a pessoa inteira, nas suas dimensões e componentes físicas, psíquicas e espirituais, e se exprime no “significado nupcial” do corpo humano, graças ao qual a pessoa faz entrega de si mesma a outra e a acolhe. Para a compreensão e realização desta “verdade” do amor humano, tende a educação sexual rectamente entendida. Efectivamente, devemos dar-nos conta de uma situação social e cultural difundida “que ‘banaliza’ em grande parte a sexualidade humana porque a interpreta e a vive de modo redutor e empobrecido, relacionando-a unicamente com o corpo e com o prazer egoísta”. Frequentemente as próprias situações familiares, de onde provêem as vocações sacerdotais, revelam a este respeito não poucas carências, e por vezes até graves desequilíbrios.

Num tal contexto, torna-se mais difícil, mas também mais urgente, uma educação para a sexualidade que seja verdadeira e plenamente pessoal e que, portanto, dê lugar à estima e ao amor pela castidade, como “virtude que desenvolve a autêntica maturidade da pessoa e que a torna capaz de respeitar e promover o ‘significado nupcial’ do corpo”.

Ora a educação para o amor responsável e a maturidade afectiva da pessoa tornam-se absolutamente necessárias para quem, como o presbítero, é chamado ao celibato, ou seja, a oferecer, pela graça do Espírito e com a resposta livre da própria vontade, a totalidade do seu amor e da sua solicitude a Jesus Cristo e à Igreja. Em vista do compromisso celibatário, a maturidade afectiva deve saber incluir, no âmbito das relações humanas de serena amizade e de profunda fraternidade, um grande amor vivo e pessoal a Jesus Cristo. Como escreveram os Padres sinodais, “é de capital importância no suscitar a maturidade afectiva o amor de Cristo, prolongado numa dedicação universal. Assim o candidato, chamado ao celibato, encontrará na maturidade afectiva um fulcro seguro para viver a castidade na fidelidade e na alegria”.

Pois que o carisma do celibato, mesmo quando é autêntico e provado, deixa intactas as tendências da afectividade e as excitações do instinto, os candidatos ao sacerdócio precisam de uma maturidade afectiva capaz de prudência, de renúncia a tudo o que a pode atacar, de vigilância sobre o corpo e o espírito, estima e respeito pelas relações interpessoais com homens e mulheres. Uma ajuda preciosa pode ser dada por uma adequada educação para a verdadeira amizade, à imagem dos vínculos de fraterno afecto que o próprio Cristo viveu na sua existência (cf. Jo 11, 5).

A maturidade humana em geral, e a afectiva em particular, exigem uma formação clara e sólida para uma liberdade que se configura como obediência convicta e cordial à “verdade” do próprio ser, e ao “significado” do próprio existir, ou seja, ao “dom sincero de si mesmo” como caminho e fundamental conteúdo da autêntica realização do próprio ser”. Assim entendida, a liberdade requer que a pessoa seja verdadeiramente dona de si mesma, decidida a combater e a superar as diversas formas de egoísmo e de individualismo, que atacam a vida de cada um, pronta a abrir-se aos outros, generosa na dedicação e no serviço do próximo. Isto é importante para a resposta a dar à vocação, e de uma forma especial à sacerdotal, e para a fidelidade a essa vocação bem como aos compromissos com ela conexos, mesmo nos momentos difíceis. Neste itinerário educativo para uma amadurecida liberdade responsável, um auxílio pode vir da própria vida comunitária do Seminário.

Intimamente ligada à formação para a liberdade responsável, está a educação da consciência moral: esta, enquanto solicita do íntimo do próprio “eu” a obediência às obrigações morais, revela o significado profundo de tal obediência, isto é, o de ser uma resposta consciente e livre, e por conseguinte amorosa, às exigências de Deus e do Seu amor. “A maturidade humana do sacerdote – escrevem os Padres sinodais – deve incluir especialmente a formação da sua consciência. O candidato, de facto, para poder fielmente satisfazer às suas obrigações para com Deus e a Igreja e para poder sapientemente orientar as consciências dos fiéis, deve ser habituado a escutar a voz de Deus que lhe fala no íntimo do coração e a aderir com amor e firmeza à sua vontade”.

João Paulo II, Pastores dabo vobis, 43-44

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